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domingo, 18 de fevereiro de 2024

VIDA NA ANTIGA UGARIT

 


A cultura ugarítica foi complexa. A cidade foi ao mesmo tempo, um porto comercial do mediterrâneo, uma cidade–estado do oeste semítico vassalo dos hititas e uma população do noroeste semítico do mundo de língua cuneiforme. Qualquer análise que fizermos, seja estudarmos nomes pessoais, linguagem, religião ou a cultura material, Ugarit vai aparecer como uma eclética mistura das culturas cananeias, sírias, egípcias, mediterrânea e mesopotâmica. Ugarit prosperou ao se tornar um lugar de encontro dos povos do Antigo Oriente Próximo (KTU 1.40 VII, 35–43).

A economia de Ugarit foi dominada pelo mar ao lado do comércio de importação e exportação. A cidade desenvolveu indústrias que foram formadas devido a sua localização em região marítima, assim como tintura de tecidos manufaturados e construções de navios. Também desenvolveu indústrias de artesanatos relacionados com o seu comércio de materiais bruto e utensílios de cobre. A fertilidade das regiões altas da cidade foram também exploradas para desenvolver o comércio de grãos e óleo.

No período do XV ao XIV séculos AEC um certo desequilíbrio e conflitos de interesses ocorreu entre os maiores poderes da região, ou seja, Egito, Hititas, Mitanni, Babilônia e Assíria. Devido a sua boa localização, Ugarit serviu como um Estado neutro entre essas grandes potências e seus interesses comerciais. O crescimento de Ugarit nessa conjuntura reflete uma experta manipulação da localização geográfica da cidade para obter vantagens econômicas.

O cabeça do Estado de Ugarit foi o rei, e ele era legitimado por divindades. O relacionamento especial que o rei tinha com os deuses, particularmente com El, é visto no Épico de Keret. O rei foi o principal representante na religião ugarítica, podendo fazer sacrifícios no templo (KTU 1.119). Ele também tem obrigações e responsabilidades em defender o pobre, a viúva, o órfão e os abatidos (KTU 1.17,6–8).

Membros da família do rei exercia controle nas instituições seculares e religiosas,

particularmente nos sumo sacerdotes.

A vida familiar em Ugarit foi patriarcal, no qual homens podiam ter mais de uma esposa. As esposas não tinham status iguais. A primeira esposa tinha o título de “grande mulher”. Da mesma forma, os filhos não tinham status igualitários, sendo chamados de servo, filho ou jovem guerreiro. Filhas eram classificadas como servas ou “irmã mais velha”. Essas designações refletem o estado social de livres ou escravos do

menino e da menina, herdado por herança. Os títulos “jovem guerreiro” e “irmã mais

velha” são títulos grandiosos para um filho ou filha.

Em Ugarit, da mesma forma que em Israel, foi possível conferir o direito de

primogenitura para uma jovem criança (KTU 1.15 III,16). Mulheres, especialmente da

família real, poderiam ser colocadas em posições de proeminência, como vemos nas

correspondências das rainhas de Ugarit (KTU 2.11; 2.12; 2.13; 2.16; 2.30).

 

HISTÓRIA DE UGARIT

 


Ugarit teve uma longa história. Os antigos assentamentos dos sítios datam do período neolítico (6500 AEC) e continuou até aproximadamente o fim da Idade do Bronze tardia quando se tornou um centro comercial próspero. Antes da descoberta do sítio na antiga Ugarit, estudiosos só conheciam seu significado e existência através dos arquivos de Amarna escavados no Egito e em Boghaskoy na Ásia Menor.

A fase mais importante da história de Ugarit começa aproximadamente em 1900 AEC. A Lista de Reis de Ugarit (KTU 1.113)4 e a literatura épica, fornecem informações sobre o crescimento nesse período de tribos de pastores semi – nômades na estepe mesopotâmica conhecidos como Amoritas, que se estabeleceram em Ugarit e iniciou uma nova fase em sua história. A fundação da dinastia real ugarítica até a sua destruição são traçadas dessa expansão amorita. A prosperidade de Ugarit nesse tempo foi comparada aos grandes reinos do Antigo Oriente. Primeiro o reino de Mari no primeiro milênio AEC, depois o Egito, e finalmente o reinado hitita.

Mari foi particularmente um importante sítio no médio Eufrates que prosperou sob os amoritas no segundo milênio AEC. Nesse período, Ugarit foi também um centro comercial para os faraós da XII e XIII dinastias. Diversas estátuas do reinado médio escavadas em Ugarit testificam a função da cidade como portão comercial egípcio para a Mesopotâmia e o império babilônico. Não há informações a respeito de uma presença militar egípcia em Ugarit nesse período.

Durante o período do reinado dos Hicsos no Egito (1674–1567 AEC) os hurritas ganharam o controle de Ugarit, e a cidade manteve abertas relações com o reinado de Mitanni no norte da Síria. Os reis hurritas romperam os vínculos com os egípcios enquanto buscavam aumentar o relacionamento com Ugarit e a Mesopotâmia.

Nesse tempo, a cidade de Ugarit sofreu um período de declínio. Iniciando-se com a XVIII dinastia durante o reinado tardio, o império egípcio se reafirmou no norte da Síria. A campanha militar egípcia estendeu–se até ao norte do Eufrates, e o relacionamento de Ugarit com o Egito foi restabelecido. No tempo de Amenófis II (1440 AEC) uma guarnição egípcia foi posta em Ugarit. Diversas cartas de Amarna foram escritas de Ugarit ao Egito (1350 AEC).

Ganhando com a prosperidade e estabilidade do reinado egípcio, Ugarit experimentou um momento de crescimento e prosperidade entre o XV ao XIV séculos AEC, e esses séculos representaram o auge e a idade de ouro da cidade. É nesse período que a literatura ugarítica começa a florescer. Os estudiosos afirmam que a literatura épica de Ugarit, a qual foi transmitida oralmente por séculos, foi escrita durante o reinado de Niqmaddu II (1350 AEC).

A lista de reis de ugarit abaixo mostra-nos uma tradição dinástica:

Ammistamru I – 1350 AEC

Niqmaddu II – 1350– 1315 AEC

Arhalbu– 1315 – 1313 AEC

Niqmepa– 1313 – 1260 AEC

Ammistamru II – 1260– 1235 AEC

Ibiranu– 1235 – 1225/20 AEC

Niqmaddu III – 1225/20– 1215 AEC

Ammurapi – 1215–1185 AEC

Em 1350 AEC, o rei de Hatti, Suppiluliuma conquistou o reino de Mitanni.

Nesse tempo, Ugarit se tornou vassalo do reinado hitita, pagando pesados tributos e consequentemente, teve a ajuda dos hititas para se desenvolver como centro comercial.

Suppiluliuma concedeu a Ugarit muitas cidades que estenderam as fronteiras do reinado ugarítico, possivelmente até o Leste do Rio Orontes.

Os soberanos hititas em Carquemish serviram como intermediários entre os monarcas superiores hititas e os governantes de Ugarit. Os comerciantes hititas tiveram privilégios especiais na cidade, incluindo isenção de taxas.

Soldados de Ugarit também lutaram ao lado dos hititas contra Ramsés II na batalha de Kadesh (1276 AEC). Ugarit controlou a situação de maneira a não afetar as relações amistosas que tinha com o Egito. Uma estela mostra que um escriba real egípcio foi nomeado para estar na corte real ugarítica. Ugarit aparentemente serviu como um “tampão” para diminuir as rivalidades entre a Mesopotâmia e o Egito durante esse período, e prosperou como porto neutro e canal do comércio internacional. Uma carta do rei de Tiro para o rei de Ugarit ilustra a prosperidade e riscos do florescente comércio marítimo desse período (KTU 2.38).

A destruição de Ugarit geralmente é atribuída aos povos do mar no XII século AEC. A civilização mercantil de Ugarit dificilmente ficou condizente aos violentos ataques dos povos do mar, porém a desintegração da economia e do palácio templo da cidade começaram antes das migrações dos povos do mar na região. O fim do período tardio da Idade do Bronze foi marcado por um processo geral de “ruralização” que minou a manutenção da economia urbana e acelerou o fim de Ugarit, assim como de outros reinos da Idade do Bronze tardia.

 

KTU é a sigla de: Keilalphabetischen Texte aus Ugarit em Alemão: Keil Alphabetischen Texte aus Ugarit (Textos Alfabéticos em cunha de Ugarit) in: LETE, Gregorio Del Olmo. Mitos y Leyendas de

Canaan Segun la Tradicion de Ugarit. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1981.

 

DESCOBERTAS DOS TEXTOS DE UGARIT

 



As escavações em Ugarit (moderna Ras Shamra) começaram sob a direção de Claude Schaefer e seus sucessores em 1929, após a descoberta de uma galeria funerária no minúsculo porto de Minete el–Beida, e logo em seguida a atenção se voltou para a região montanhosa, Ras Shamra, a 1km ao leste de Minete el–Beida. Escavações prosseguiram durante os anos subsequentes, somente interrompidas no período da II Guerra Mundial. Os escavadores descobriram documentos principalmente no palácio e nos templos que ficavam nessa região, embora alguns textos fossem encontrados em residências de pessoas provavelmente importantes dessa antiga cidade.

Alguns textos ugaríticos foram descobertos em Ras Ibn Hani (cujo antigo nome é B’ir), a 3 milhas ao sul de Ras Shamra. Poucos pedaços de textos escritos no alfabeto ugarítico foram encontrados também ao oeste da região mediterrânea: em Chipre (Hala Sultan Tekke), na Síria (Tell Sukas; Kadesh; Kumidi, próxima a Damasco), no Líbano (Sarepta) e em Israel (Monte Tabor, Taanach; Beth–Shemesh).

Na região de Ras Shamra, se encontravam dois grandes templos dedicados a Baal e Dagon, localizados ao noroeste da cidade. A área real ocupava boa parte da área noroeste da cidade, cerca de 10.000 metros quadrados. Ficava isolada do resto da cidade e protegida por fora por uma fortaleza. O palácio serviu como residência real e centro administrativo da cidade.

A região residencial não deixa evidências de ter sido projetada com organização e planejamento. Embora houvesse uma via principal para trafegar, não parece ter havido locais especiais e planejados para residências e comércio, pois casas luxuosas estão próximas a lugares destinados a comércio e a residências mais modestas.

A cidade continha artesãos de todo o tipo. Havia trabalhos com argila, couro, pedra,

madeira e tecidos. Os vários textos encontrados sugerem várias escolas de escribas, que

desenvolveram a escrita para uso funcional e intelectual.

Os arquivos encontrados em Ugarit sugerem muitas escolas de escribas espalhadas e ativas pela cidade. Digno de nota a esse respeito é a quantidade de arquivos encontrados na área residencial a leste do palácio e na parte sul da cidade, onde 470 textos foram descobertos, incluindo 200 textos escolares que continham o alfabeto, catálogos lexicais e gramaticais e catálogos de deuses. Foram achados também cópias do Épico de Gilgamesh e da história mesopotâmica do dilúvio, os quais são típicos textos estudados no Antigo Oriente Próximo.

Mais recentemente, também na região sudeste da cidade, escavações permitiram descobrir um amplo arquivo de mais de 200 tabletes, incluindo um incomum alfabeto, um documento lexicográfico trilíngue (ugarítico, acádico e hurrita), e um fragmento do Épico de Gilgamesh. Esses dados sugerem que Ugarit serviu como um centro destacado de ensino de escribas no Levante, pois sua posição geográfica no Antigo Oriente e sua população cosmopolita favorecia essa função.

17 bibliotecas foram localizadas e mais de 1500 textos no sítio de Ras Shamra. A maioria dos textos descobertos em Ugarit foi no palácio real, e estavam localizados no complexo oeste. Foram encontradas 8 bibliotecas com mais de 1000 textos escritos em língua acádica e ugarítica, além de poucos textos hurritas e hititas.

135 textos foram descobertos na residência do sumo sacerdote da região, localizado entre o templo de Baal e Dagon ao leste da acrópole. Os textos são de cunho religioso, incluindo 24 tabletes contendo os famosos épicos da literatura de Ugarit (Keret, Aqhat, Ciclo de Baal e o texto Refaim).

Alguns desses textos foram escritos por um escriba denominado Ilimilku, que aparentemente foi estudante do sumo sacerdote Attenu, conforme testificado no fim do épico “Ciclo de Baal”. Embora muito desses textos encontrados na residência do sumo sacerdote estavam escritos em ugarítico, havia também alguns textos que serviam como catálogos lexicais em acádico, sumério e em hitita, assim como vários textos religiosos em hurrita.

 

“SCHNIEDEWIND, Willian M; HUNT, Joel H.

A Primer on Ugarit: Language, Culture and Literature. Cambrigde: University Press: 2007, p. 5- 27”

O CICLO DE BAAL UGARÍTICO

 


Como substantivo próprio refere-se ao deus Baal com domínio sobre as forças naturais, o clima e relações sexuais quando associado com sua consorte Astarte. Outros deuses além desse Baal específico, também eram chamados de “baals” (baalim), além manifestações locais com abundantes registros na Bíblia Hebraica: Baal-Hadad na Síria, Baal-Berith em Siquém (Jz 9:4); Baal de Peor em Sitim (Nm 25:3); Baal Zebube de Ecrom na Filístia (2Rs 1:2-3), de onde vem o termo Belzebu (Senhor das Moscas); Baal de Hamom (Ct 8:11). Jezabel favoreceu em Samaria a adoração de Baal, deus de Tiro, o qual seria Baal Meqart ou Baal Shamen (1Rs 18:19).

Na Bíblia há dezoito menções a baal sem especificar quem seria. Para complicar, até mesmo o Deus de Israel é, em raras ocasiões, chamado de baal. É nesse sentido que o termo parece em nomes de judeus, como o célebre Baal Shem-Tov (c. 1698 – 1760), o fundador do movimento hassídico. O termo hebraico baal-berit também é aplicado ao pai da criança em uma cerimônia de circuncisão (berit). Dentre os versos mais notórios dessa referência de Deus como baal são os seguintes, com traduções literais minhas:

Ou o teu Criador [é] o teu Baal, Yahweh Sabaoth é o seu nome, e o teu Redentor é o Santo de Israel, Deus de toda a terra, é chamado. Isaías 54:5.

Não como o concerto que fiz com seus pais, no dia [que] tomei pela mão para trazê-los fora da terra do Egito que eles romperam meu concerto, e eu era Baal para eles, diz Yahweh. Jeremias 31:32.

 

El zeloso e [que] vinga,

Yahweh vinga,

Yahweh e Baal furioso vingará,

Yahweh aos seus inimigos

e reservará

Ele [a vingança e a fúria] aos adversários. Naum 1:2.

 

E aconteceu, naquele dia, uma afirmação de Yahweh: Tu me chamarás – meu marido, e não me chamas mais – meu Baal. Oseias 2:16.

A denúncia ao culto a Baal aparece consistentemente no período pré-exílico. Aparece no incidente de Peor (Nm 25), no ciclo de Elias e Jezabel (1Rs 16-22), na destruição do templo de Baal em Jerusalém na revolta contra Atalia (2Rs 11:18) e no conflito entre os adoradores de Yahweh e os seguidores de Baal (Jz 6:25-32; 1Rs 18:16-40).


O ciclo de Baal Ugarítico

Em Ugarit, Baal aparece como uma divindade interessante. Chamado de Baal-Hadad, é o sucessor do deus El, o rei dos deuses e dos homens. Baal é o protagonista de um ciclo de mitos de Ugarit em uma coleção de tabuletas cuneirformes que são fragmentárias e ninguém sabe a ordem certa de leitura. Segue aqui uma reconstrução resumida.

Desejoso de construir seu palácio, Baal deve enfrentar a desordem, Yam. O deus do caos Yam também é identificado com monstros marinhos, particularmente o monstro de sete cabeças Lotan, comparável ao Leviatã. Esse motivo literário é chamado de Chaoskampf e aparece frequentemente associado em narrativas de criação, porém não na versão de Ugarit.

El transfere poder a Yam, mas ele domina tiranicamente os deuses e os homens. Os dominados reclama para sua mãe, Asserá, a senhora do mar. Eles a convenceram a confrontar Yam, a interceder em seu favor. Para libertá-los, Aserá, a deusa-consorte de El (e depois fundida com Anat), deve resignar-se a Yam.

Baal ficou furioso e jurou aos deuses que destruiria Yam. Munido com armas mágicas feitas pelo deus artesão, Kothar, Baal consegue superar Yam. Então, Baal é proclamado rei sobre os deuses.

Com ajuda das deusas Asserá e Anat, Baal consegue a aprovação de El para construir uma casa. O deus artífice Kothar realiza a construção. Depois de uma discussão sobre janelas (dilema eterna entre arquiteto e cliente), Baal celebra convidando os deuses para um banquete. A casa de Baal é extraordinária. Durante sete dias um incêndio queimou dentro do prédio e, quando cedeu, a casa foi banhada a ouro, prata e lápis-lazúli.

Outro conflito que aparece no ciclo de Baal é a batalha contra Mot, o deus da morte. Mot convida Baal para um banquete, mas o convidado também é o prato principal. Baal é devorado pela Morte. El e Anat lametam sua morte. Anat, ajudada pela deusa-sol Shapash, localiza e traz o corpo ao cume de monte Safão, a moradia de Baal. Anat, que é irmã e consorte de Baal além de patrona do amor e da guerra, demanda que Mot libere o morto. Diante da recusa, Anat destroçou Baal. Assim, Baal consegue retornar ao mundo dos vivos. El descobre em um sonho que Baal está vivo novamente. Mot também reaparece e enfrenta Baal. No entanto, Shapash, a deusa do sol, avisa Mot das consequências. Aparentemente, há uma separação das respectivas esferas de influência.

Aqui, Baal representa a fertilidade agrícola — particularmente a estação chuvosa outonal que segue as secas deletérias do verão — e faz com que as colheitas floresçam.


Importância e Recepção

A descoberta da literatura ugarítica levou à óbvia comparação. Fora dos elementos comuns com a Bíblia Hebraica, fruto de um ambiente cultural comum, surgiram especulação de que as religiões abraâmicas e outras deviam mais ainda à mitologia semítica. A superinterpretação com paralelomania das mortes e renascimentos de Osíris, Baal e Adonis não tem base histórica ou textual, remontando das especulações de Frazer. As diferenças entre esses mitos sobressaltam as similaridades. O cientista da religião Jonathan Z. Smith, cuja dissertação de 1969 discute o Ramo Dourado de Frazer, considera esse paralelismo um equívoco baseado em reconstruções imaginativas e textos altamente ambíguos.

Outra importância do ciclo de Baal é que vários de seus textos possuem uma assinatura no colofão. O escriba Ilimilku escreveu (ou reescreveu e expandiu) o épico de Baal. É um dos mais antigos textos com visível voz de autoia identificável.


UGARIT E O ANTIGO ISRAEL



O início de Israel se deu nas montanhas de Canaã, existindo como um “subgrupo” dos cananeus19. Uma estela do Faraó Merneptá (1213-1203 AEC) contém a descrição de uma campanha militar no Levante. Vários povos derrotados são descritos e Israel aparece não como um “país”, mas sim, como um grupo de pessoas. Determinante para a nossa pesquisa é que o nome “Israel” aparece na estela e não “Isra-yahu”20, o que indicaria pela composição do nome pela partícula “yahu” que esses proto-israelitas fossem adoradores desde o seu surgimento do deus Yahweh. O nome “Isra-El”, com a partícula “el” fornece com toda a probabilidade que o deus cabeça do panteão cananeu El foi adorada entre esses primeiros israelitas.

A própria Bíblia Hebraica testemunha que Yahweh foi introduzido “a partir de fora” no panteão dos primeiros israelitas. Essa divindade não pertencia ao panteão cananeu pois não encontramos nenhuma menção dessa divindade nos escritos de Ugarit. Assim, onde surgiu Yahweh? Uma pista se encontra em Juízes 5, 4-5 que diz Yahweh! Quando saíste de Seir, quando avançaste nas planícies de Edom, a terra tremeu, troaram os céus, as nuvens desfizeram-se em água. Os montes deslizaram na presença de Yahweh, o do Sinai, diante de Yahweh, o deus de Israel. Nomes teofóricos são indícios de adoração de uma determinada divindade e seu desenvolvimento em determinados períodos. Nomes como de Isayahu (Isaías), Elyahu (elias) ou Irmeyahu (Jeremias) são exemplos de nomes cuja partícula com o trecho do nome do deus Yahweh (Yah) aparece.

 

" Para Além da Bíblia: História Antiga de Israel. São

Paulo: Paulus/Loyola, 2008, p. 81-106."

 

Essa descrição teofânica colabora com a ideia de que, numa antiga tradição, Yahweh veio do sul da Transjordânia, na região desértica de Edom. Em Gênesis 25, 19-34 o patriarca Jacó, lido na tradição como o antepassado de Israel, e Esaú, antepassado de Edom, são irmãos. Talvez o culto para adoração de Yahweh foi introduzido em Israel pelos edomitas ou por semi-nômades dessas áreas desérticas. Madiã aparece também como indício das origens do culto yahwista (Êx 2-4), mas a discussão sobre esse tema na pesquisa bíblica ainda carece de consenso22;

Yahweh foi concebido a partir de sua entrada no panteão como um “filho de El”, assim como outros deuses cananeus. Dt 32, 8-9 testemunha nossa afirmação: Quando Elyon repartia a herança para as nações e quando espalhava os filhos de Adão, ele estabeleceu os territórios dos povos, conforme o

número dos filhos de El. Mas a parte de Yahweh foi o seu povo, o lote de sua herança foi Jacó.

O texto é claro: Elyon, epíteto de El, reparte as nações soberanamente para seus filhos divinos. Para o seu filho Yahweh, El reserva Israel.

Outros textos na Bíblia Hebraica demonstram a influência de El no culto do antigo Israel. Relatos estes que mostram que os antepassados dos israelitas foram adoradores de El. Êxodo 6, 2-3 afirma categoricamente:

Deus falou a Moisés e lhe disse: “Eu sou Yahweh. Apareci a Abraão,

a Isaque e a Jacó como El Shaday; mas meu nome, Yahweh, não lhes

fiz conhecer”.

Os autores dessa narrativa estão conscientes de que os patriarcas foram adoradores de outras divindades cananeias. O patriarca Abraão aparece diversas vezes conversando com El shaday23. Jacó em Gn 28,10-22 erige um altar de nome Betel que significa literalmente “casa do deus El”. Esse altar, posteriormente na monarquia israelita, vai se transformar em altar de Yahweh pelo rei Jeroboão I (I Reis 12,26-33). Jeroboão I reinou em 931-909 AEC e foi o primeiro rei de Israel após a separação dos reinos, tornando-se independentes dois reinados, o lado norte, Israel, e o lado sul, Judá24.

O reino unido das 12 tribos de Israel debaixo de uma única monarquia está cada vez mais sendo contestada na pesquisa atual do antigo Israel. Não temos condições nesse artigo de discutir a complexidade do debate. Sugiro a leitura de: LIVERANI, 2008, p. 375-388.

 

"Teologias do Antigo Testamento: Pluralidade e Sincretismo da Fé em

Deus no Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal/CEBI, 2007, p. 169-185."

 

Provavelmente, as tradições de El e Yahweh vão se fundir paulatinamente e essas divindades serão entendidas como uma só. Baal aparece muitas vezes nas páginas da Bíblia Hebraica. Por ser um deus da tempestade e deus guerreiro competiu com Yahweh por essas atribuições no culto

praticado pelos antigos israelitas e judaitas. Nos relatos do personagem Elias,

principalmente encontrados nos capítulos de I Reis 18, 20-40, narra-se um terrível confronto entre o profeta de Yahweh e os profetas de Baal. Coloca-se diante do leitor ou do ouvinte algumas questões: quem é deus de verdade? Quem é o verdadeiro deus da tempestade? Os relatos terminam com a vitória do deus Yahweh e a consequente morte de todos os profetas de Baal e posteriormente (II Reis 9,30-37) da rainha fenícia Jesabel, esposa do rei Acab (873-852 AEC) que casou com Jesabel para fortalecer laços políticos com os fenícios e que gerou uma maior influência do culto da divindade

cananeia no reino do norte.

Alguns salmos poderiam ter sido compostos, em um primeiro momento, em louvor a Baal antes de se tornar um salmo yahwista. O Salmo 29 louva Yahweh do seguinte modo: Tributai a Yahweh, ó filhos de Deus, tributai a Yahweh glória e poder, tributai a Yahweh a glória ao seu nome, adorai a Yahweh no seu esplendor sagrado. A voz de Yahweh sobre as águas, o Deus glorioso troveja, Yahweh sobre as águas torrenciais. A voz de Yahweh com a força, a voz de Yahweh no esplendor!

Os atributos de Yahweh são os mesmos de Baal em Ugarit. Ele é adorado como deus da tempestade e da ordem que, com seu domínio, controla as forças caóticas. Desse modo, o salmista está em aberta polêmica contra o culto de Baal, afirmando nesse cântico que Yahweh é o deus da tempestade e domina as forças ameaçadoras do caos, não Baal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ugarit foi uma cidade cosmopolita que considerava de suma importância a religião e os cultos de diversas divindades. Cada divindade tinha uma função clara para a vida das pessoas comuns e da casa real. Existiam deuses e deusas legitimadoras da monarquia e deidades que participavam do dia-a-dia das pessoas provendo a fertilidade da agricultura, proteção contra doenças, etc.

Israel surgiu posteriormente quando Ugarit já estava destruída. Mesmo assim, divindades cananeias continuaram a ocupar espaço nessa nova entidade territorial, como verificamos ao mencionar duas delas, El e Baal. Israel e Judá participaram da grande cultura do Antigo Oriente Próximo, adotando diversas divindades em seus diversos lugares de culto, inclusive no templo de Jerusalém (II Reis 23, 4-27). Posteriormente, entre os séculos V/IV AEC, essas divindades foram substituídas definitivamente por Yahweh.

 

Referências

GERSTENBERGER, Erhard S. Teologias do Antigo Testamento: Pluralidade e

Sincretismo da Fé em Deus no Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal/CEBI,

2007.

HANDY, Lowel K. Dissenting Deities or Obedient Angels:Divine Hierarchies in

Ugarit and the Bible. Biblical Research, 35, 1990.

JR. E. Theodore Mullen. The Assembly of Gods: The Divine Council in Canaanite

and Early Hebrew Literature. Michigan: Scholar Press, 1980.

LETE, Gregorio Del Olmo. Mitos y Leyendas de Canaan Segun la Tradicion de Ugarit.

Madrid: Ediciones Cristiandad, 1981.

LIVERANI, Mário. Para Além da Bíblia: História Antiga de Israel. São Paulo:

Paulus/Loyola, 2008.

MENDONÇA, Elcio Valmiro Sales de. Monte Sião, Extremidade do Safon: Estudo

da Influência da Mitologia Cananeia na Teologia de Sião à Partir da Análise

Exegética do Salmo 48. São Bernardo do Campo: Umesp, 2012.

PARDEE, Dennis. Ritual and Cult at Ugarit. (Edited by Theodore J. Lewis). Atlanta:

Society of Biblical Literature, 2002.

RAHMOUNI, Aicha. Divine Epithets in the Ugaritic Alphabetic Texts.

Leiden/Boston: Brill, 2008.

SCHNIEDEWIND, Willian M; HUNT, Joel H. A Primer on Ugarit: Language,

Culture and Literature. Cambrigde: University Press, 2007.

SMITH, Mark S. The Origins Of Biblical Monotheism: Israel Polytheistic

Background and the Ugaritic Texts. New York/Oxford: Oxford University Press,

2001.

SMITH, Mark S. The Ritual Miths of the Feast of the Goodly Gods of KTU/CAT

1.23: Royal Constructions of Opposition, Intersection, Integration and Domination

(Resources for Biblical Studies). Atlanta: Society of Biblical Literature, (nº 51), 2006.

SMITH, Mark S; PITARD, Wayne T. The Ugaritic Baal Cycle: Introduction With

Text, Translation and Commentary of KTU/CAT 1.3-1.4 (Vol. II). Supplements to

Vetus Testamentum: Leiden/Boston, 2009.

SMITH, Mark, S. O Memorial de Deus: História, Memória e a Experiência do

Divino no Antigo Israel. São Paulo: Paulus, 2006.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

XAMANISMO

 


O Xamanismo é o sacerdote e líder religioso que faz contato com o mundo do invisível, é o sacerdote de uma religião, no mundo antigo, nos primórdios da humanidade, quando ainda na pré-história, no período paleolítico, quando surge o que chamamos de animismo, houve um pequeno grupo de pessoas que começou a se interessar por estes eventos inexplicáveis, estes, de uma certa forma, começaram a estudar (se é que podemos dizer isto) estas coisas que não se conheciam, por vários motivos e maneira, por tentativas e erros, estes observadores sobrenaturais começaram a criar formas e maneiras de se fazer ou cultuar o animismo e logo depois o totenismo, estes sacerdotes eram os Xamãs destas religiões primitivas.

Estes xamãs atuavam como sacerdotes e profetas, e, ao mesmo tempo, estes também eram curandeiros (médicos), advindos, filósofos, professores, estrategistas militares, advogados, juízes, contadores de histórias (historiadores) escribas (quando nasce a escrita), matemáticos, astrólogos, astrônomos, geômetras, geógrafos (ou cientistas), etc. 

No passado, um xamã ou sacerdote era um ser dotado de um vasto conhecimento, isto não era somente para a época, como também para agora, pois os xamãs dos dias atuais em sua grande maioria são burros, idiotas, lesos, imbecis e estúpidos.


TOTENISMO

 


O Totenismo é o Animismo mais objetivado, ou simbólico, neste caso, é uma forma de adorar uma coisa mais específica, seia portanto a adoração direta a um animal (seja ele vivo ou morto), pedra ou montanha, planta, árvore, água (rios, lagos, mares, nascentes), sol, lua, nuvem, ou mesmo uma pessoa (seja ela viva ou morta) e etc.

O totenismo é um Totem que é adorado, reverenciado, idolatrado e cultuado, por uma ou mais pessoas de uma comunidade. Com o tempo o ser humano começou a esculpir estes objetos ou totens para que fossem uma representação mais fidedígna de sua adoração animista. As primeiras esculturas feitas pelos homens pré-históricos foram os propulsores do sucesso do animismo totenista que facilitou a organização e controle da sociedade pré-histórica, pois os deuses ou entidades invisíveis poderosas, para eles, estavam mais perto dos mortais.

O totenismo nasce quase junto com o animismo, na primeira fase da religião pré-histórica, as coisas, fenômenos naturais, objetos, pessoas e animais, tinham vida ou ânimo, mas não havia uma representação simbólica, não eram ídolos, por assim dizer. Mas não demorou muito, pois logo, estes começaram a serem sibolizados, e foram transformados em ídolos ou totens por seus seguidores.

Todo ídolo ou símbolo que é adorado por uma pessoa ou comunidade é um totem, digamos que o totenismo animista ou que o animismo totenista está muito forte nos dias atuais.


ANIMISMO

 


A religião é um sistema conceitual muito antigo, basicamente, a religião existe desde quando o ser humano anda na terra. Ainda na pré-história a religião vem acompanhando o homem desde então.

No princípio das coisas, os seres humanos, observando a natureza em seu redor, começou a se relacionar de uma certa forma com a natureza.

Havia também algumas questões que chocavam muito os primeiros seres humanos, que eram os eventos de nascimentos, mortes, envelhecimentos (o que raramente ocorria) e as doenças, onde pessoas eram curadas ou morriam por conta destas doenças. 

Para os primeiros seres humanos, os fenômenos eram, para eles, manifestações de seres enigmáticos e incompreensíveis, que eles mortais não tinham acesso ou conhecimento. 

O ser humano pré-histórico procurava saber o que causava tudo isso, eles obviamente não tinham uma explicação, mas é certo que alguma coisa estava acontecendo, pois, para estes, seres invisíveis regiam suas vidas desde o nascimento, até a morte, como também, regiam a natureza.

Os primeiros seres humanos acreditavam que estas coisas invisíveis se manifestavam no trovão, relâmpago, chuva, terremoto, vulcão, eles também acreditavam que estes seres poderosos mexiam, por assim dizer, com o dia e noite, ou seja, eles eram o dia e noite, estas entidades comandavam ou eram o próprio sol, lua, céu, etc. Estes personagens poderosos e enigmáticos faziam as pessoas nascer e morrer, e em alguns casos, envelhecer (o que era muito raro).

No caso de pessoas mortas, estas, de alguma forma continuavam entre os vivos, sendo agora reverenciadas e respeitadas, seus conselhos ditos em vida, viravam ordenanças, leis e decretos, pois esta agora, pertence ao mundo do invisível, se juntando com estas criaturas ocultas, que comandavam, ou animavam o mundo em que viviam.

Estas manifestações que eram sobrenaturais para o ser humano pré-histórico, eram entendidos por eles que estas coisas ou seres, de alguma forma, animavam a natureza e pessoas (vivas ou mortas) e tudo que tem ânimo para eles eram manifestações auspiciosas que poderiam trazer situações ou períodos de malfazejos ou de benfazejo, trazendo-lhes sorte ou azar, maldições ou bençãos.

Como estes objetos ou fenômenos eram 'animados' por estas entidades, chamamos este período religioso de Animismo. E é justamente também que vem daí o significado da palavra Animal, pois é animal ou animismo seres, coisas, elementos e objetos que tem ânimo, mas que não se explica ou que se compreenda.

Isto quer dizer que tais seres, coisas, elementos e objetos para eles tinham ânimo, ou seja, tinham espírito, alma, movimento (trovão, relâmpago, águas dos rios e mares, etc.) mas que não tinham consciência, não tinham pensamento e se tivessem, o ser humano pré-histórico, não compreendia, não entendia.

Assim como uma animal (cachorro, gato, leão, etc.) tem vida, ou seja, ânimo, mas não tem consciência, e seus sons ou vozes, são entendidos por sua própria espécie, mas não por nós, seres humanos.

 


domingo, 4 de fevereiro de 2024

O MITO DE EVA

 




Foi Adão quem deu o nome da mulher de Eva: “E chamou Adão o nome de sua mulher Eva; porquanto era a mãe de todos os viventes. Gênesis 3:20

Eva surge em Gênesis 02: 22. No mito adâmico, os clérigos medievais taxaram Eva como a mulher responsável por Adam (Adão) ter perdido sua imortalidade e a sua inocência. É justamente, isso que o Mito de Gilgamesh, exemplifica. Inicialmente, os deuses criam Enkidu, do barro, como um valoroso guerreiro, que falava, comia e vivia junto com os animais nas florestas. Ele destruía armadilhas dos caçadores.

Ele era inocente a respeito do homem e nada conhecia do cultivo da terra. Enkidu comia grama nas colinas junto com as gazelas e rondava os poços de água com os animais da floresta; junto com os rebanhos de animais de caça, ele se alegrava com a água.

Os caçadores foram para Uruk e reclamaram com Gilgamesh, que Enkidu estava atrapalhando a caça. E Gilgamesh, colocou uma mulher do Templo de Ishtar “desnuda” chamada: Shamhat para seduzi-lo e fazer sexo com ele. E, durante seis dias e seis noites eles fizeram sexo. Quando terminaram, Enkidu tentou voltar a sua antiga rotina, entre os animais da floresta. Mas, os animais começaram a fugir dele. Moral da estória, Enkidu culpou a mulher por ter perdido sua inocência.

[…] depois de satisfeito, porém, ele voltou para os animais selvagens. Mas agora, ao vê-lo, as gazelas punham-se em disparada; as criaturas agrestes fugiam quando elas se aproximavam. Enkidu queria segui-las, mas seu corpo parecia estar preso por uma corda, seus joelhos fraquejaram quando tentava correr, ele perdera sua rapidez e agilidade. E todas as criaturas da selva fugiram; Enkidu perdera sua força, pois agora tinha o conhecimento dentro de si, e os pensamentos do homem ocupavam seu coração. Então ele voltou e sentou-se ao pé da mulher, e escutou com atenção o que ela lhe disse: “És sábio, Enkidu, e agora te tornaste semelhante a um deus. Por que queres ficar correndo à solta nas colinas com as feras do mato? Vem comigo. Vem e te levarei à Uruk das poderosas muralhas, ao abençoado templo de Ishtar do amor e Anu do céu; lá vive Gilgamesh, que é forte, e como um touro selvagem domina e governa os homens.

No texto, Enkidu ao ter contato sexual com Shamhat perdeu suas características, e a moça lhe disse: “que agora estava semelhante aos deuses” é a mesma descrição, que encontramos em Gênesis 03: 22, quando o casal: Adão e Eva comem do fruto proibido.

Isso quer dizer que graças à mulher, Enkidu ao perder sua identidade, da mesma forma que aconteceu com Adam (Adão). No mito grego, a 1ª mulher humana criada pelos deuses foi Pandora. Ela era bela, como Afrodite, inteligente e curiosa. Diz à lenda que Pandora, e sua “intensa curiosidade”, mexeu numa caixa que Epimeteu guardava e ao abri-la liberou as mazelas, doenças e a maldade, que se alastram pelo mundo afora. Resumindo, na Antiguidade, as mulheres eram consideradas cidadãs de segunda classe, sem direitos iguais aos homens e, além disso, eram acusadas religiosamente, de trazer o mal para a sociedade.

Na sociedade da Antiga Mesopotâmia e na região de Canaã, as mulheres tinham certas proibições, como: não sair à rua desacompanhada, ficar confinadas numa sessão reservada às mulheres, no Templo. Caso a mulher esteja menstruada era proibida por lei ir ao Templo para fazer seu sacrifício (Levítico 15: 19-24). Existia certa obrigatoriedade do uso do véu (até hoje é seguida). Havia convenções sociais que impunham mais deveres do que direitos para as mulheres.

Eva é também tida como uma personagem que é uma inspiração de uma deusa Sumeriana chamada Nin-Ti, deusa da Vida e deusa patrona da cidade de Lagash, seu nome quer dizer "senhora da vida"

Na mitologia Sumeriana Nin-ti, é responsável por curar a costela de Enki.

No mito o guloso deus Enki  “Senhor da Terra” comeu 8 plantas proibidas do Dilmun. Após o desvio, 8 pragas foram lançadas nos órgãos de Enki. Então foram criadas 8 divindades para consertar o deus que, doente, agonizava. Entre elas estava Nin-ti, responsável por curar a costela de Enki.

Nin-ti, literalmente significa “a dama da costela”. Contudo, segundo Kramer, Nin-ti também ficou conhecida na Mesopotâmia como “A dama que traz a vida”, porque a palavra Ti, em sumério, significa “costela” e também “trazer a vida”.

De acordo com Kramer, é por isso que os autores da Bíblia escolheram a costela de Adão para modelar Eva, ao invés de outra parte do corpo: porque Eva foi a primeira a mãe, “aquela que traz a vida”, e, da mesma forma, Adão deu a existência para Eva, através de sua Ti ou costela.

ADAPA - O ADÃO SUMERIANO

 



O mito do Adão Bíblico é uma adaptação e inspiração do personagem original Sumeriano Adapa, o nome Adão ou Adam tem mais variantes anteriores tais como Admu, Admusis, Adamo, etc. Todos estes nomes, são nomes anteriores ao nome Adão ou Adm da Bíblia.

É a história Sumeriana da Queda do Homem que explica por que motivo os seres humanos são mortais. O texto foi descoberto numas escavações do final do século XIX, em Tell-el-Amarna - um local que foi a capital do Império Egípcio no tempo de Akhenaton (1352-1335 a.C.). Nessa exploração arqueológica foi encontrada uma extensa biblioteca de tábuas de argila, contendo, entre muitos outros textos, o Mito de Adapa.

Adapa era um sábio sacerdote de Enki (sumério original) ou Ea (pronuncia-se "Yah") ou Ea-šarru (acadia e babilônia), deus das águas doces e deus patrono da cidade de Eridu. Seu templo era a casa de Apsu ou Eengurra em Eridu.

O mito alega que todos os dias, Adapa comparecia aos ritos religiosos. Ele fazia votos, assava pão e colocava mesas apresentadas como ofertas aos deuses. Ele era pescador do templo de Enk, saia em seu barco com o objetivo de capturar peixes e ofertá-los, no templo dedicado a Enk.

O Deus da Água e da Sabedoria, Ea (pronuncia-se "Yah"), ou Enk ou Ea-Šarru cria Adapa e dá-lhe grande inteligência e sabedoria, mas não a imortalidade, e sabendo que a imortalidade poderia ser oferecida a Adapa pelo grande deus Anu, Enk engana Adapa e convence-o a recusar este dom.

O raciocínio de Ea neste mito parece semelhante ao de Yahveh (em Génesis 3:22-24), onde, depois de Adão e Eva serem amaldiçoados por comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, Yahveh os expulsa antes que eles possam também comer da Árvore da Vida:

Então disse Yahveh Deus: “Agora o homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal. Não se deve, pois, permitir que ele tome também do fruto da árvore da vida e o coma, e viva para sempre”. Por isso Yahveh Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado. Depois de expulsar o homem, colocou a leste do jardim do Éden querubins e uma espada flamejante que se movia, guardando o caminho para a árvore da vida.Génesis 3:22-24

Se Adão e Eva fossem imortais, ficariam ao nível de Yahveh e haveria uma perda de status para este deus. E este é o mesmo raciocínio de Ea no mito de Adapa. No mito do Génesis, Adão toma o conhecimento por si mesmo comendo o fruto da árvore do conhecimento; no mito Sumeriano, o deus Ea concede a Adapa conhecimento no processo de criação. Sabendo que Adapa já é sábio, Ea (como Yahveh na história de Génesis) precisa manter o homem no seu devido lugar, impedindo-o de comer o alimento da vida.

Diz o mito que Adapa, rei da cidade de Eridu, um dia foi pescar quando o Vento Sul virou de repente seu barco e o lançou ao mar. Furioso com isso, Adapa quebrou a asa do Vento Sul e durante sete dias o vento não pôde soprar. Anu, o deus do céu, ficou irritado com Adapa e chama-o ao céu para vir se explicar. Adapa recebe conselhos de Ea sobre como se deve comportar na corte dos deuses. Como Ea é o pai-deus de Adapa e criador, Adapa confia nele. Mas Ea receia que Anu ofereça a Adapa o alimento e a bebida da vida eterna e quer certificar-se de que Adapa não aceita a oferta.

Primeiro Ea diz a Adapa que deve lisonjear os guardiões dos portões, Tammuz e Gishida (duas divindades que morreram e ressuscitaram, Gishida seria representado como uma serpente e também referido como Ningishzida "Senhor da boa árvore"), fazendo saber que ele se lembra deles, que bem os conhece. Se Adapa fizer isso, então os guardiões vão deixá-lo passar sem dificuldade e vão falar favoravelmente dele para Anu. Ea ainda lhe diz que, quando estivesse na presença de Anu, deveria recusar qualquer alimento ou bebida oferecida, porque seria o alimento da morte e a bebida da morte que lhe seria oferecida como punição por Adapa ter quebrado a asa do Vento Sul. No entanto, acrescenta Ea, Adapa poderia aceitar óleo para ungir-se e aceitar qualquer oferta de roupa.

Quando chega ao céu, Adapa faz exatamente o que Ea sugere, honrando respeitosamente Tammuz e Gishida.

Anu respeita a argumentação de Adapa e impressiona-se com ela, mas indaga-se por que Ea fez Adapa tão inteligente, mas negou-lhe a vida eterna. Seguidamente Anu ordena que o alimento e a água da vida eterna sejam trazidos a Adapa. Anu deseja corrigir o erro de Ea e conceder a Adapa a vida eterna.

Adapa recusa a comida e bebida oferecida por Anu, mas aceita ungir-se com óleo e receber uma túnica. Anu, chocado por o homem recusar o alimento e a bebida que lhe dariam o dom da imortalidade, envia Adapa de volta à terra onde ele deve viver a sua vida como um mortal.

No fim da história parece que Anu pretende julgar Ea, mas o texto final ficou danificado no original.

No que tange as semelhanças, entre: Adapa e Adão, se substituirmos: o “p” pelo “m” – temos “Adama” (que significa: “Solo ou Terra” a origem de Adão). Se tirarmos a letra “a” de “Adama”, fica: Adam, que em hebraico que significa: “Homem” (Adão, em português) (ANDREASEN, 1981, p 181).

As semelhanças entre Adapa e Adão continuam como por exemplo: obedecer a deus: Ea ou El; não comer determinada comida; perder a vida eterna se comer uma determinada comida; vestir roupas adequadas: luto no caso de Adapa enquanto Adão e Eva usaram roupas de pele, feitas por El (Gn 3: 21.

Pelo que sabemos do Mito de Adapa, quando ele apareceu na frente de Anu foi-lhe oferecido: “o pão e a água da vida” ele obedeceu às recomendações do seu deus Ea, e não comeu e nem bebeu nada, e com isso perdeu a vida eterna. No caso de Adão aconteceu o mesmo. A sua auxiliar (Eva) foi tentada pela Serpente, que lhe ofereceu a comida (fruto), Adão e Eva comeram da comida e desobedeceram às recomendações de El e assim, ambos perderam a vida eterna. No Mito de Adapa a comida foi oferecida pelo deus Anu, enquanto, no Mito de Adão, a comida foi oferecida inicialmente pela Serpente. Os dois casos tiveram como consequência a perda imediata da imortalidade. De qualquer forma.

Ambos foram submetidos a um teste envolvendo alimentos e receberam dois conjuntos de conselhos; ou seja, "não coma" (Deus e Enk ou Ea) e "coma" (Serpente e Anu). Um, Adapa, obedeceu e passou no teste; o outro, Adam, desobedeceu e falhou. Mas mesmo essa situação é complicada por uma consideração adicional; ou seja, a relação entre obediência/desobediência e imortalidade.

 

O livro de Gênesis está cercado de elementos mitológicos comuns entre as diversas sociedades do Mundo Antigo. Adão, a Serpente e o Jardim do Éden foram produtos importados de uma superpotência religiosa e cultural, Sumeriana. Não há como negar que sua herança serviu de trampolim para que anos mais tarde, os Hebreus compilassem suas ideias no que chamamos de: Gênesis.


O Mito:

Ele [Adapa] possuía inteligência. . .

Seu comando era como o comando de Anu ...

Ele [o deus Ea] concedeu-lhe um grande entendimento para lhe revelar o destino da terra,

Ele lhe concedeu sabedoria, mas não lhe concedeu a vida eterna.

Naqueles dias, naqueles anos o homem sábio de Eridu,

Ea o havia criado como líder entre os homens,

Um homem sábio cujo comando nenhum deve opor,

O prudente, o mais sábio entre os Anunnaki era ele,

Imaculado, de mãos limpas, ungido, observador dos estatutos divinos,

Com os padeiros ele fez pão

Com os padeiros de Eridu, ele fez pão,

A comida e a água para Eridu ele fez diariamente,

Com as mãos limpas, preparou a mesa,

E sem ele a mesa não estava limpa.

O navio que ele dirigiu, pescando e caçando para Eridu.

Então Adapa de Eridu

Enquanto Ea, ... na câmara, sobre a cama.

Diariamente o fechamento de Eridu ele atendeu.

Em cima da represa pura, a represa da lua nova, embarcou no navio.

O vento soprou e seu navio partiu.

Com o remo, dirigiu seu navio sobre o largo mar. . .

O Vento Sul ... quando ele me levou para a casa de meu senhor, eu disse:

"Ó Vento Sul, no caminho eu vou ter contigo ... tua asa quebrarei."

Enquanto falava com a boca, a asa do Vento Sul foi quebrada, sete dias o Vento Sul não soprou sobre a terra.

Anu chamou o seu mensageiro Ilabrat:

"Por que o Vento Sul não soprou sobre a Terra por sete dias?"

Seu mensageiro Ilabrat lhe respondeu:

"Meu senhor, Adapa, o filho de Ea, quebrou a asa do Vento Sul."

Quando Anu ouviu estas palavras, gritou:

 - "Ajudem-me!" e, subindo ao trono, disse - "Que alguém o traga."

Entretanto Ea, que conhece os céus, soube disto... ele o fez vestir. Com uma roupa de luto ele o vestiu e lhe deu conselhos, dizendo:

  - "Adapa, diante do rosto de Anu, o Rei, tu vais ... ao céu.

Quando subires e te aproximares da porta de Anu, na porta de Anu estarão Tammuz e Gishzida de pé.

Eles te verão, eles te perguntarão:

 - 'Senhor, por causa de quem veio, Adapa? Para quem está vestido de luto?'

 - 'No meu país, dois deuses desapareceram, portanto eu estou assim.'  [deves responder]

 - 'Quem são os dois deuses, que na terra desapareceram?'

 - 'Tammuz e Gishzida.' [deves responder]

Eles vão olhar um para o outro e ficarão surpresos.

Boas palavras eles vão falar a Anu.

Um bom semblante de Anu eles te mostrarão.

Quando estiveres de pé perante Anu

A comida da morte eles colocarão diante de ti. Não comas.

Água de morte eles colocarão diante de ti. Não bebas.

Roupa eles vão colocar diante de ti. Veste-a.

Óleo, eles te colocarão diante de ti. Unge-te a ti mesmo.

O conselho que te dei, não te esqueças.

As palavras que falei, mantém-nas firmes."

O mensageiro de Anu veio:

 - "Adapa quebrou a asa do Vento Sul. Traga-o diante de mim."

O caminho para o Céu ele o fez tomar, e para o Céu ele ascendeu.

Quando ele chegou ao Céu, quando se aproximou da porta de Anu, na porta de Anu, Tammuz e Gishida encontram-se de pé.

Quando viram Adapa, clamaram:

 - "Ajuda, Senhor, por quem apareces? Adapa, para quem estás vestido de um manto de luto?"

 - "No país dois deuses desapareceram, por isso estou vestido em roupas de luto."

 - "Quem são os dois deuses, que desapareceram da terra?"

 - "Tammuz e Gishzida."

Eles olharam um para o outro e ficaram espantados.

Quando Adapa aproximou-se de Anu, o Rei viu-o e gritou:

 - "Diz, Adapa, por que quebraste as asas do Vento Sul?"

Adapa respondeu a Anu:

 - "Meu senhor, para a casa do meu senhor no meio do mar, eu estava apanhando peixe. O mar era como um espelho, o Vento Sul soprou e me virou. À casa do meu senhor fui levado. Na raiva do meu coração, eu tomei atenção."

Tammuz e Gishzida responderam ... "és tu". Para Anu eles falaram. Ele se acalmou, seu coração estava. . .

 - "Por que Ea revelou à humanidade impura o coração do céu e da terra? Um coração ... criou dentro dele, fez-lhe um nome? O que podemos fazer com ele? Alimento da vida trazei-lhe, para que coma."

Alimento da vida trouxeram, mas ele não comeu.

Água da vida trouxeram, mas ele não bebeu.

Vestuário trouxeram. Vestiu-se.

Óleo trouxeram. Ele se ungiu.

Anu olhou para ele, perguntou-lhe:

 - "Vem, Adapa, por que não comeste, não bebeste? Agora não viverás. "

... homens ...

 - Ea, meu senhor disse: "Não coma, não beba".

 - Peguem-no e levem-no de volta à sua terra.

... olhou para ele.

Quando [Anu] ouviu isso na raiva de seu coração

Seu mensageiro ele enviou.

Aquele que conhece o coração dos grandes deuses.....

Ao rei Ea para vir,

Para ele, ele fez com que as palavras fossem suportadas....