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domingo, 18 de fevereiro de 2024

UGARIT E O ANTIGO ISRAEL



O início de Israel se deu nas montanhas de Canaã, existindo como um “subgrupo” dos cananeus19. Uma estela do Faraó Merneptá (1213-1203 AEC) contém a descrição de uma campanha militar no Levante. Vários povos derrotados são descritos e Israel aparece não como um “país”, mas sim, como um grupo de pessoas. Determinante para a nossa pesquisa é que o nome “Israel” aparece na estela e não “Isra-yahu”20, o que indicaria pela composição do nome pela partícula “yahu” que esses proto-israelitas fossem adoradores desde o seu surgimento do deus Yahweh. O nome “Isra-El”, com a partícula “el” fornece com toda a probabilidade que o deus cabeça do panteão cananeu El foi adorada entre esses primeiros israelitas.

A própria Bíblia Hebraica testemunha que Yahweh foi introduzido “a partir de fora” no panteão dos primeiros israelitas. Essa divindade não pertencia ao panteão cananeu pois não encontramos nenhuma menção dessa divindade nos escritos de Ugarit. Assim, onde surgiu Yahweh? Uma pista se encontra em Juízes 5, 4-5 que diz Yahweh! Quando saíste de Seir, quando avançaste nas planícies de Edom, a terra tremeu, troaram os céus, as nuvens desfizeram-se em água. Os montes deslizaram na presença de Yahweh, o do Sinai, diante de Yahweh, o deus de Israel. Nomes teofóricos são indícios de adoração de uma determinada divindade e seu desenvolvimento em determinados períodos. Nomes como de Isayahu (Isaías), Elyahu (elias) ou Irmeyahu (Jeremias) são exemplos de nomes cuja partícula com o trecho do nome do deus Yahweh (Yah) aparece.

 

" Para Além da Bíblia: História Antiga de Israel. São

Paulo: Paulus/Loyola, 2008, p. 81-106."

 

Essa descrição teofânica colabora com a ideia de que, numa antiga tradição, Yahweh veio do sul da Transjordânia, na região desértica de Edom. Em Gênesis 25, 19-34 o patriarca Jacó, lido na tradição como o antepassado de Israel, e Esaú, antepassado de Edom, são irmãos. Talvez o culto para adoração de Yahweh foi introduzido em Israel pelos edomitas ou por semi-nômades dessas áreas desérticas. Madiã aparece também como indício das origens do culto yahwista (Êx 2-4), mas a discussão sobre esse tema na pesquisa bíblica ainda carece de consenso22;

Yahweh foi concebido a partir de sua entrada no panteão como um “filho de El”, assim como outros deuses cananeus. Dt 32, 8-9 testemunha nossa afirmação: Quando Elyon repartia a herança para as nações e quando espalhava os filhos de Adão, ele estabeleceu os territórios dos povos, conforme o

número dos filhos de El. Mas a parte de Yahweh foi o seu povo, o lote de sua herança foi Jacó.

O texto é claro: Elyon, epíteto de El, reparte as nações soberanamente para seus filhos divinos. Para o seu filho Yahweh, El reserva Israel.

Outros textos na Bíblia Hebraica demonstram a influência de El no culto do antigo Israel. Relatos estes que mostram que os antepassados dos israelitas foram adoradores de El. Êxodo 6, 2-3 afirma categoricamente:

Deus falou a Moisés e lhe disse: “Eu sou Yahweh. Apareci a Abraão,

a Isaque e a Jacó como El Shaday; mas meu nome, Yahweh, não lhes

fiz conhecer”.

Os autores dessa narrativa estão conscientes de que os patriarcas foram adoradores de outras divindades cananeias. O patriarca Abraão aparece diversas vezes conversando com El shaday23. Jacó em Gn 28,10-22 erige um altar de nome Betel que significa literalmente “casa do deus El”. Esse altar, posteriormente na monarquia israelita, vai se transformar em altar de Yahweh pelo rei Jeroboão I (I Reis 12,26-33). Jeroboão I reinou em 931-909 AEC e foi o primeiro rei de Israel após a separação dos reinos, tornando-se independentes dois reinados, o lado norte, Israel, e o lado sul, Judá24.

O reino unido das 12 tribos de Israel debaixo de uma única monarquia está cada vez mais sendo contestada na pesquisa atual do antigo Israel. Não temos condições nesse artigo de discutir a complexidade do debate. Sugiro a leitura de: LIVERANI, 2008, p. 375-388.

 

"Teologias do Antigo Testamento: Pluralidade e Sincretismo da Fé em

Deus no Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal/CEBI, 2007, p. 169-185."

 

Provavelmente, as tradições de El e Yahweh vão se fundir paulatinamente e essas divindades serão entendidas como uma só. Baal aparece muitas vezes nas páginas da Bíblia Hebraica. Por ser um deus da tempestade e deus guerreiro competiu com Yahweh por essas atribuições no culto

praticado pelos antigos israelitas e judaitas. Nos relatos do personagem Elias,

principalmente encontrados nos capítulos de I Reis 18, 20-40, narra-se um terrível confronto entre o profeta de Yahweh e os profetas de Baal. Coloca-se diante do leitor ou do ouvinte algumas questões: quem é deus de verdade? Quem é o verdadeiro deus da tempestade? Os relatos terminam com a vitória do deus Yahweh e a consequente morte de todos os profetas de Baal e posteriormente (II Reis 9,30-37) da rainha fenícia Jesabel, esposa do rei Acab (873-852 AEC) que casou com Jesabel para fortalecer laços políticos com os fenícios e que gerou uma maior influência do culto da divindade

cananeia no reino do norte.

Alguns salmos poderiam ter sido compostos, em um primeiro momento, em louvor a Baal antes de se tornar um salmo yahwista. O Salmo 29 louva Yahweh do seguinte modo: Tributai a Yahweh, ó filhos de Deus, tributai a Yahweh glória e poder, tributai a Yahweh a glória ao seu nome, adorai a Yahweh no seu esplendor sagrado. A voz de Yahweh sobre as águas, o Deus glorioso troveja, Yahweh sobre as águas torrenciais. A voz de Yahweh com a força, a voz de Yahweh no esplendor!

Os atributos de Yahweh são os mesmos de Baal em Ugarit. Ele é adorado como deus da tempestade e da ordem que, com seu domínio, controla as forças caóticas. Desse modo, o salmista está em aberta polêmica contra o culto de Baal, afirmando nesse cântico que Yahweh é o deus da tempestade e domina as forças ameaçadoras do caos, não Baal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ugarit foi uma cidade cosmopolita que considerava de suma importância a religião e os cultos de diversas divindades. Cada divindade tinha uma função clara para a vida das pessoas comuns e da casa real. Existiam deuses e deusas legitimadoras da monarquia e deidades que participavam do dia-a-dia das pessoas provendo a fertilidade da agricultura, proteção contra doenças, etc.

Israel surgiu posteriormente quando Ugarit já estava destruída. Mesmo assim, divindades cananeias continuaram a ocupar espaço nessa nova entidade territorial, como verificamos ao mencionar duas delas, El e Baal. Israel e Judá participaram da grande cultura do Antigo Oriente Próximo, adotando diversas divindades em seus diversos lugares de culto, inclusive no templo de Jerusalém (II Reis 23, 4-27). Posteriormente, entre os séculos V/IV AEC, essas divindades foram substituídas definitivamente por Yahweh.

 

Referências

GERSTENBERGER, Erhard S. Teologias do Antigo Testamento: Pluralidade e

Sincretismo da Fé em Deus no Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal/CEBI,

2007.

HANDY, Lowel K. Dissenting Deities or Obedient Angels:Divine Hierarchies in

Ugarit and the Bible. Biblical Research, 35, 1990.

JR. E. Theodore Mullen. The Assembly of Gods: The Divine Council in Canaanite

and Early Hebrew Literature. Michigan: Scholar Press, 1980.

LETE, Gregorio Del Olmo. Mitos y Leyendas de Canaan Segun la Tradicion de Ugarit.

Madrid: Ediciones Cristiandad, 1981.

LIVERANI, Mário. Para Além da Bíblia: História Antiga de Israel. São Paulo:

Paulus/Loyola, 2008.

MENDONÇA, Elcio Valmiro Sales de. Monte Sião, Extremidade do Safon: Estudo

da Influência da Mitologia Cananeia na Teologia de Sião à Partir da Análise

Exegética do Salmo 48. São Bernardo do Campo: Umesp, 2012.

PARDEE, Dennis. Ritual and Cult at Ugarit. (Edited by Theodore J. Lewis). Atlanta:

Society of Biblical Literature, 2002.

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SMITH, Mark, S. O Memorial de Deus: História, Memória e a Experiência do

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