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domingo, 18 de fevereiro de 2024

O CICLO DE BAAL UGARÍTICO

 


Como substantivo próprio refere-se ao deus Baal com domínio sobre as forças naturais, o clima e relações sexuais quando associado com sua consorte Astarte. Outros deuses além desse Baal específico, também eram chamados de “baals” (baalim), além manifestações locais com abundantes registros na Bíblia Hebraica: Baal-Hadad na Síria, Baal-Berith em Siquém (Jz 9:4); Baal de Peor em Sitim (Nm 25:3); Baal Zebube de Ecrom na Filístia (2Rs 1:2-3), de onde vem o termo Belzebu (Senhor das Moscas); Baal de Hamom (Ct 8:11). Jezabel favoreceu em Samaria a adoração de Baal, deus de Tiro, o qual seria Baal Meqart ou Baal Shamen (1Rs 18:19).

Na Bíblia há dezoito menções a baal sem especificar quem seria. Para complicar, até mesmo o Deus de Israel é, em raras ocasiões, chamado de baal. É nesse sentido que o termo parece em nomes de judeus, como o célebre Baal Shem-Tov (c. 1698 – 1760), o fundador do movimento hassídico. O termo hebraico baal-berit também é aplicado ao pai da criança em uma cerimônia de circuncisão (berit). Dentre os versos mais notórios dessa referência de Deus como baal são os seguintes, com traduções literais minhas:

Ou o teu Criador [é] o teu Baal, Yahweh Sabaoth é o seu nome, e o teu Redentor é o Santo de Israel, Deus de toda a terra, é chamado. Isaías 54:5.

Não como o concerto que fiz com seus pais, no dia [que] tomei pela mão para trazê-los fora da terra do Egito que eles romperam meu concerto, e eu era Baal para eles, diz Yahweh. Jeremias 31:32.

 

El zeloso e [que] vinga,

Yahweh vinga,

Yahweh e Baal furioso vingará,

Yahweh aos seus inimigos

e reservará

Ele [a vingança e a fúria] aos adversários. Naum 1:2.

 

E aconteceu, naquele dia, uma afirmação de Yahweh: Tu me chamarás – meu marido, e não me chamas mais – meu Baal. Oseias 2:16.

A denúncia ao culto a Baal aparece consistentemente no período pré-exílico. Aparece no incidente de Peor (Nm 25), no ciclo de Elias e Jezabel (1Rs 16-22), na destruição do templo de Baal em Jerusalém na revolta contra Atalia (2Rs 11:18) e no conflito entre os adoradores de Yahweh e os seguidores de Baal (Jz 6:25-32; 1Rs 18:16-40).


O ciclo de Baal Ugarítico

Em Ugarit, Baal aparece como uma divindade interessante. Chamado de Baal-Hadad, é o sucessor do deus El, o rei dos deuses e dos homens. Baal é o protagonista de um ciclo de mitos de Ugarit em uma coleção de tabuletas cuneirformes que são fragmentárias e ninguém sabe a ordem certa de leitura. Segue aqui uma reconstrução resumida.

Desejoso de construir seu palácio, Baal deve enfrentar a desordem, Yam. O deus do caos Yam também é identificado com monstros marinhos, particularmente o monstro de sete cabeças Lotan, comparável ao Leviatã. Esse motivo literário é chamado de Chaoskampf e aparece frequentemente associado em narrativas de criação, porém não na versão de Ugarit.

El transfere poder a Yam, mas ele domina tiranicamente os deuses e os homens. Os dominados reclama para sua mãe, Asserá, a senhora do mar. Eles a convenceram a confrontar Yam, a interceder em seu favor. Para libertá-los, Aserá, a deusa-consorte de El (e depois fundida com Anat), deve resignar-se a Yam.

Baal ficou furioso e jurou aos deuses que destruiria Yam. Munido com armas mágicas feitas pelo deus artesão, Kothar, Baal consegue superar Yam. Então, Baal é proclamado rei sobre os deuses.

Com ajuda das deusas Asserá e Anat, Baal consegue a aprovação de El para construir uma casa. O deus artífice Kothar realiza a construção. Depois de uma discussão sobre janelas (dilema eterna entre arquiteto e cliente), Baal celebra convidando os deuses para um banquete. A casa de Baal é extraordinária. Durante sete dias um incêndio queimou dentro do prédio e, quando cedeu, a casa foi banhada a ouro, prata e lápis-lazúli.

Outro conflito que aparece no ciclo de Baal é a batalha contra Mot, o deus da morte. Mot convida Baal para um banquete, mas o convidado também é o prato principal. Baal é devorado pela Morte. El e Anat lametam sua morte. Anat, ajudada pela deusa-sol Shapash, localiza e traz o corpo ao cume de monte Safão, a moradia de Baal. Anat, que é irmã e consorte de Baal além de patrona do amor e da guerra, demanda que Mot libere o morto. Diante da recusa, Anat destroçou Baal. Assim, Baal consegue retornar ao mundo dos vivos. El descobre em um sonho que Baal está vivo novamente. Mot também reaparece e enfrenta Baal. No entanto, Shapash, a deusa do sol, avisa Mot das consequências. Aparentemente, há uma separação das respectivas esferas de influência.

Aqui, Baal representa a fertilidade agrícola — particularmente a estação chuvosa outonal que segue as secas deletérias do verão — e faz com que as colheitas floresçam.


Importância e Recepção

A descoberta da literatura ugarítica levou à óbvia comparação. Fora dos elementos comuns com a Bíblia Hebraica, fruto de um ambiente cultural comum, surgiram especulação de que as religiões abraâmicas e outras deviam mais ainda à mitologia semítica. A superinterpretação com paralelomania das mortes e renascimentos de Osíris, Baal e Adonis não tem base histórica ou textual, remontando das especulações de Frazer. As diferenças entre esses mitos sobressaltam as similaridades. O cientista da religião Jonathan Z. Smith, cuja dissertação de 1969 discute o Ramo Dourado de Frazer, considera esse paralelismo um equívoco baseado em reconstruções imaginativas e textos altamente ambíguos.

Outra importância do ciclo de Baal é que vários de seus textos possuem uma assinatura no colofão. O escriba Ilimilku escreveu (ou reescreveu e expandiu) o épico de Baal. É um dos mais antigos textos com visível voz de autoia identificável.


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