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domingo, 23 de junho de 2024

REFORMA RELIGIOSA - JOHN WYCLIFFE

 


João Wycliffe (c. 1328 – 31 de dezembro de 1384)= 56 foi professor da Universidade de Oxford, teólogo e reformador religioso inglês, considerado precursor das reformas religiosas que sacudiram a Europa nos séculos XV e XVI. Trabalhou na primeira tradução da Bíblia para o idioma inglês, que ficou conhecida como a Bíblia de Wycliffe.

Não se sabe, o ano em que ele foi enviado pela família para estudar na Universidade de Oxford, mas há certeza de que estava lá desde pelo menos 1345 quando ele tinha por volta de 17 anos.

Na Universidade, aplicou-se nos estudos de teologia, filosofia e legislação canônica. Tornou-se sacerdote e depois serviu como professor no Balliol College, ainda em Oxford. Por volta de 1365 tornou-se bacharel em teologia e, em 1372, doutor em teologia.

Como teólogo, logo destacou-se pela firme defesa dos interesses nacionais contra as demandas do papado, ganhando reputação de patriota e reformista. Wycliffe afirmava que havia um grande contraste entre o que a Igreja era e o que deveria ser, por isso defendia reformas. Suas ideias apontavam a incompatibilidade entre várias normas do clero e os ensinos de Jesus e seus apóstolos.

Uma destas incompatibilidades era a questão das propriedades e da riqueza do clero. Wycliffe queria o retorno da Igreja à primitiva dos tempos dos evangelistas, algo que, na sua visão, era incompatível com o poder temporal do papa e dos cardeais. Para ele o Estado deveria tomar posse de todas as propriedades da Igreja e encarregar-se diretamente do sustento do clero. Logo, a cátedra deixou de ser o único meio de propagação de suas ideias, ao iniciar a escrita de seu trabalho mais importante, a “Summa Theologiae” “Resumo Teológico”. Entre as ideias mais revolucionárias desta obra, está a afirmação de que, nos assuntos de ordem material, o rei está acima do papa e que a Igreja deveria renunciar a qualquer tipo de poder temporal. Sua obra seguinte, “De Civili Dominio” “Do Domínio Civil”, aprofunda as críticas ao Papado de Avinhão (onde esteve a sede provisória da Igreja de 1309 até 1377), com seu sistema de venda de indulgências, ou seja  o perdão divino para qualquer pessoa que pagasse por isso Wycliffe também combatia a vida perdulária e luxuosa de muitos padres, bispos e religiosos sustentados com dinheiro do povo. Wycliffe defendia que era tarefa do Estado lutar contra o que considerava abusos do papado e da Igreja Católica. A obra contém 18 teses, que vieram a público em Oxford em 1376.

Suas ideias espalharam-se com grande rapidez, em parte pelos interesses da nobreza em confiscar os bens então em poder da igreja. Wycliffe pregava nas igrejas em Londres e sua mensagem era bem recebida.

Apesar de sua crescente popularidade, a Igreja apressou-se em censurar Wycliffe. Em 19 de fevereiro de 1377 quando ele contava com 49 anos, Wycliffe é intimado a apresentar-se diante do Bispo de Londres para explanar-lhe seus ensinamentos. Compareceu acompanhado de vários amigos influentes e quatro monges foram seus advogados. Uma multidão aglomerou-se na igreja para apoiar Wycliffe e houve animosidades com o bispo. Isto irritou ainda mais o clero e os ataques contra Wycliffe se intensificaram, acusando-o de blasfêmia, orgulho e heresia. Enquanto isso, os partidos no Parlamento inglês pareciam convictos de que os monges poderiam ser melhor controlados se fossem aliviados de suas obrigações seculares.

É importante lembrar que, neste período, desenrolava-se a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra. Na Inglaterra daquele tempo, tudo que era identificado como francês era visto como inimigo e nessa visão se incluiu a Igreja, pois havia transferido sua sede de Roma para Avinhão, na França. A elite inglesa (realeza, parlamento e nobreza) reagia à ideia de enviar dinheiro aos papas, esta era uma atitude vista como ajuda ao sustento do próprio inimigo. Neste ambiente hostil à França e à Igreja, um teólogo como Wycliffe desfrutou quase imediatamente de grande apoio, não apenas político, como também popular, despertando o nacionalismo inglês.

Em 22 de maio de 1377, o Papa Gregório XI, que em janeiro havia abandonado Avinhão para retornar a sede da Igreja a Roma, expediu uma bula contra Wycliffe, declarando que suas 18 teses eram errôneas e perigosas para a Igreja e o Estado. O apoio de que Wycliffe desfrutava na corte e no parlamento tornaram a bula sem efeito prático, pois era geral a opinião de que a Igreja estava exaurindo os cofres ingleses.

Ao mesmo tempo em que defendia que a Igreja deveria retornar à primitiva pobreza dos tempos apostólicos, Wycliffe também entendia que o poder da Igreja devia ser limitado às questões espirituais, sendo o poder temporal exercido pelo Estado, representado pelo rei. Seu livro “Tractatus De Officio Regis” “Tratado sobre o Gabinete do Rei” defendia que o poder real também era originário de Deus, encontrava testemunho nas Escrituras Sagradas, quando Cristo aconselhou "dar a César o que é de César". Era pecado, em sua opinião, opor-se ao poder do rei e todas as pessoas, inclusive o clero, deveriam pagar-lhe tributos. O rei deve aplicar seu poder com sabedoria e suas leis devem estar de acordo com as de Deus. Das leis de Deus se deriva a autoridade das leis reais, inclusive daquelas em que o rei atua contra o clero, porque se o clero negligencia seu ofício, o rei deve chama-lo a responder diante de si. Ou seja, o rei deve possuir um "controle evangélico" e quem serve à Igreja deve submeter-se às leis do Estado. Os arcebispos ingleses deveriam receber sua autoridade do rei (não do papa).

Este livro teve grande influência na reforma da Igreja, não apenas na Inglaterra, que sob o reinado de Henrique VIII passaria a ter a igreja subordinada ao Estado e o rei como chefe da Igreja, mas também na Boêmia e na Alemanha. Especialmente interessantes são também os ensinamentos que Wycliffe endereça aos reis, para que protejam seus teólogos. Ele sustentava que, já que as leis do rei devem estar de acordo com as Escrituras, o conhecimento da Bíblia é necessário para fortalecer o exercício do poder real. O rei deveria cercar-se de teólogos para aconselhá-lo na tarefa de proclamar as leis reais.

Os escritos de Wycliffe em seus seis últimos anos incluem contínuos ataques ao papado e à hierarquia eclesiástica da época. Entretanto, nem sempre foi assim. Seus primeiros escritos eram muito mais moderados e, à medida que as relações de Wycliffe com a Igreja foram se deteriorando, os ataques cresceram em intensidade.

Na questão relacionada ao cisma da Igreja, com papas reivindicando em Roma e Avinhão a liderança da Igreja, Wycliffe entendia que o cristão não precisa de Roma ou Avinhão, pois Deus está em toda parte. "Nosso papa é o Cristo", sustentava. Em sua opinião, a Igreja poderia continuar existindo mesmo sem a existência de um líder visível, por outro lado os líderes poderiam surgir naturalmente, desde que vivessem e exemplificassem os ensinamentos de Jesus.

Contra as Ordens Monásticas

A batalha de Wycliffe contra as ordens monásticas (que ele chamava de "seitas") iniciou-se por volta de 1377 e alongou-se até sua morte. Wycliffe afirmou que o papado imperialista era suportado por estas "seitas", que serviam ao domínio do papa sobre as nações daquele tempo. Em vários de seus escritos, como “Trialogus” “Triálogo”, “Dialogus” “Diálogo”, “Opus Evangelicum” “Trabalho Evangélico” e alguns sermões, Wycliffe dizia que a Igreja não necessitava de novas "seitas" e que eram suficientes os ensinos dos três primeiros séculos de existência da Igreja. Defendia que as ordens monásticas não eram suportadas pela Bíblia e deveriam ser abolidas, junto com suas propriedades. O povo então se insurgiu contra os monges e podemos observar os maiores efeitos dessa insurreição na Boêmia, anos mais tarde, com a revolução Hussita. Na Inglaterra, entretanto, o resultado não foi o esperado por Wycliffe: as propriedades acabaram nas mãos dos grandes barões feudais.

Contrário à rígida hierarquia eclesiástica, Wycliffe defendia a pobreza dos padres e os organizou em grupos para divulgar os ensinos de Cristo. Estes padres (mais tarde chamados de "lolardos") não faziam votos nem recebiam consagração formal, mas dedicavam sua vida a ensinar o Evangelho ao povo. Estes pregadores itinerantes espalharam os ensinos de Wycliffe pelo interior da Inglaterra, agrupados dois a dois, de pés descalços, usando longas túnicas e carregando cajados nas mãos.

Em meados de 1381 uma insurreição social amedrontou os grandes proprietários ingleses e o rei Ricardo II foi levado a crer que os lolardos haviam contribuído com ela. Ele ordenou à Universidade de Oxford (que havia sido reduto de líderes insurretos) que expulsasse Wycliffe e seus seguidores, apesar destes não haverem apoiado qualquer movimento rebelde. O rei proibiu a citação dos ensinos de Wycliffe em sermões e mesmo em discussões acadêmicas, sob pena de prisão para os infratores.

Wycliffe então se retirou para sua casa em Lutterworth, onde reuniu sábios que o auxiliaram na tarefa de traduzir a Bíblia do latim para o inglês. Enquanto assistia à missa em Lutterworth, no dia 28 de dezembro de 1384, foi acometido por um ataque de apoplexia (derrame), falecendo 3 dias depois, no último dia do ano.

A influência dos escritos de Wycliffe foi muito grande em outros movimentos reformistas, em particular sobre o da Boêmia, liderado por Jan Huss e Jerônimo de Praga. Para frear tais movimentos, a Igreja convocou o Concílio de Constança (1414–1418). Um decreto deste Concílio (expedido em 4 de maio de 1415) declarou Wycliffe como herético, recomendou que todos os seus escritos fossem queimados e ordenou que seus restos mortais fossem exumados e queimados, o que foi cumprido 12 anos mais tarde pelo Papa Martinho V. Suas cinzas foram jogadas no rio Swift, que banha Lutterworth.

 

Referência Bibliográfica

John Wycliffe (em inglês) no Find a Grave

Filme John Wycliffe: The Morning Star

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