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sexta-feira, 18 de abril de 2025

O RACISMO BRASILEIRO

 


Passada a fase da abolição, com sua conclusão negativa para a população negra, e concluído o golpe militar republicano, com a persistência das oligarquias agrárias, o racismo brasileiro procura novas roupagens “científicas”. Na Europa o racismo entra em ascensão e transforma-se em força agressiva, agressividade que terá a sua conclusão na vitória do nazismo na Alemanha. No Brasil há uma recomposição ideológica do mesmo sentido. Essa tendência racista elitista de nossa intelectualidade tradicional se revigora.

Na época da ascensão do nazismo e do fascismo, que eram movimentos de direita, houve aqui no Brasil um trabalho ideológico racista feito pela nossa intelectualidade. Essa divulgação e essa prática concentraram-se na Liga da Higiene Mental, que congregou grandes nomes da ciência. Jurandir Freire Costa, autor do livro História da psiquiatria no Brasil, afirmou que o programa dessa entidade tinha como objetivo a intolerância e o obscurantismo. Fundada em 1923 e dedicada à prevenção de doenças mentais, longe de estabelecer uma abordagem científica de doença mental, adotava e enfatizava posições nitidamente ideológicas, elaborando propostas no sentido da adoção apaixonada e integral do arianismo, da superioridade racial, justamente as que prevaleceram na Alemanha nazista. Seus membros mais conspícuos passaram a defender na área profissional, e publicamente, a esterilização e a segregação perpétua de todos os indivíduos considerados loucos ou desequilibrados, segundo os critérios de sua avaliação; daí passaram a pregar o mesmo destino para as pessoas de “raça inferior”, ainda segundo os padrões que adotavam e que definiam como tais os não brancos puros.

“Já se quis uma reforma “eugênica” dos salários: maiores para os brancos, menores para os negros”.

A pregação da Liga concentrou seus fogos particularmente na imigração: o Brasil deveria, nesse campo, adotar rigorosos critérios seletivos, em que se inseria a condenação à entrada de negros e asiáticos em nosso país – “rebotalho de raças inferiores” –, alegando que “já nos bastavam os nordestinos, os híbridos e os planaltinos miscigenados com negros”. Xavier de Oliveira, um dos membros da Liga, partidário do que entendia por eugenia, manifestava sua satisfação pela decadência incontestável e pela “extinção não muito remota” dos índios da Amazônia. A condenação ao fim próximo alcançava, também, os mestiços, cuja proibição de entrada no Brasil era encomendada pela Liga em 1928. Outra de suas reivindicações: a reforma eugênica dos salários, privilegiando os brancos. 

Reivindicava também concessão de benefícios econômicos e financeiros às famílias que procriassem indivíduos “superiores”. A mais audaciosa foi a criação de Tribunais de Eugenia, que decidiriam sobre a esterilização e o confinamento de membros das raças inferiores. Em 1934 a revista Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, editada pela Liga, publicava a lei alemã de esterilização dos “doentes transmissores de taras”, com entusiástica introdução ao seu texto. “O mundo culto”, dizia a publicação, “tomava conhecimento da nova e grande lei alemã de esterilização dos degenerados”. A citada lei, de 14 de julho de 1933, era assinada por Hitler, além de Frick e Gurther, ministros do Interior e da Justiça, respectivamente.

Outro artigo esclarecedor dos Arquivos foi aquele no qual o seu autor procurava demonstrar que a Inquisição operara a partir de uma “filosofia eugênica”, pois as suas torturas e seus sacrifícios “tiveram uma consequência benéfica para a raça”. Em 1934, conta ainda Jurandir Freire Costa, a Liga associava-se à polícia em ações “sempre caracterizadas pela truculência”; a polícia fornecia, confidencialmente, nomes e endereços de alcoólatras, que eram, então, procurados pelos psiquiatras da Liga e internados em hospitais e centros ditos de saúde mental; ali eram submetidos a tratamentos de acordo com os métodos da Liga, que funcionou, ostensivamente, durante três décadas. Nela pontificavam médicos de renome, particularmente psiquiatras: representavam a ciência oficial, isto é, a ciência das classes dominantes, numa época em que o nazismo já se manifestava e apresentava a raça alemã como “raça eleita”.

Entre esses nomes famosos, figuravam Renato Kehl, presidente da Sociedade de Eugenia em 1929; Alberto Farani, presidente da Seção de Estudos de Cirurgia e Sistema Nervoso da Liga de Higiene Mental e chefe do serviço dos ambulatórios de Profilaxia Mental do Hospital Rivadávia Correia; Xavier de Oliveira, docente de Clínica Psiquiátrica da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro e médico do Hospital Nacional de Psicopatas.

À época da Liga de Higiene Mental, a década de 1920 e a primeira metade da década de 1930, surgiram e se ampliaram consideravelmente em nosso país, no campo quase virgem das ciências sociais, as teses de Oliveira Vianna, com uma obra toda ela de cunho racista, elitista e neocolonialista. 

Assim como aconteceu na época de Sílvio Romero, a produção cultural dominante espelhava a alienação social e, consequentemente, cultural a qual estava submetida. A obra de Oliveira Vianna, em particular, é um marco significativo de como a intelectualidade brasileira deixa-se vergar ideologicamente e refletia em sua produção uma rejeição à sua própria condição de ser humano e social. Esta atitude representava, e atualmente ainda representa, uma negação e/ou fuga de nosso ser étnico, cultural e político, expressa através de uma produção estimulada pelo neocolonialismo; em outras palavras, o imperialismo tecnocrático.


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