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sexta-feira, 29 de março de 2024

CRISE NA REPÚBLICA - LÚCIO CORNÉLIO SULA

 



Sula nasceu em 138 a.C. de uma família patrícia que tinha se tornado bastante insignificante. Embora bem-educado, vivia em relativa pobreza quando jovem e andava com atores, mas sua sorte logo mudou com as mortes de sua madrasta e amante, que resultaram em heranças consideráveis. Com isso, Sula pôde concorrer com sucesso ao cargo de questor de 107 a.C. e adquirir experiência militar. Ele foi prontamente selecionado para servir como um dos tenentes do general Caio Mário na guerra contra o sempre esquivo e cada vez mais perigoso ex-aliado de Roma, o rei da Numídia, Jugurta.

Sula alistou e liderou com habilidade um contingente de cavalaria durante a campanha numídica, durante a qual ele ganhou popularidade entre as fileiras por compartilhar as agruras dos legionários comuns. À medida que Mário gradualmente capturava fortalezas de Jugurta e desbaratava seus exércitos, ele encarregou Sula de negociar com o vacilante rei Boco, da Mauritânia, uma eventual mudança de lado. Eventualmente Boco concordou em entregar Jugurta em pessoa a Sula, o que na prática marcou o fim do conflito em 105 a.C..

Sula aproveitou cada oportunidade para se gabar de que tinha sido ele quem terminara a guerra na verdade, e não Mário, o que sem dúvida alguma aborreceu o general. Apesar disso, havia questões mais sérias a serem consideradas. As tribos bárbaras do norte, após humilharem vários exércitos romanos, ameaçavam invadir a península italiana. Mário foi encarregado de subjugar estas tribos, os Cimbros e os Teutões, e novamente escolheu o competente Sula como subordinado. Porém, no decorrer da campanha, o relacionamento entre os dois tornou-se tão difícil que Sula solicitou sua transferência para outro exército, liderado pelo co-Cônsul Catulo. A transferência foi aprovada e uma vez mais Sula provou seu valor, mesmo que as forças de Catulo tivessem sido relegadas a um papel de apoio na parte final do conflito, que terminou com a completa derrota das tribos bárbaras em 101 a.C..

Com ambas as guerras contra Jugurta e os bárbaros concluídas, Sula concentrou-se no avanço de sua carreira política. Em 99 a.C., ele se candidatou sem sucesso para o cargo de pretor, confiando em seus sucessos militares. Sem se deter pela derrota, pleiteou o mesmo cargo novamente no ano seguinte, com uma plataforma de jogos gratuitos sem precedentes e, como seria de se esperar, foi devidamente eleito. Após o término do mandato, passou a governar a província romana da Cilícia, na Ásia Menor, a partir de 96 a.C., demonstrando aptidão administrativa e perícia militar.

As ambições políticas de Sula tiveram um baque abrupto quando Roma mergulhou em sua primeira guerra civil (91 a.C.), a chamada Guerra Social. Os aliados italianos de Roma, que reivindicavam a cidadania romana há anos, decidiram ganhar sua independência e deflagraram uma revolta generalizada. Sula lutou por um breve período junto com Mário, ganhando grande notoriedade ao neutralizar de forma impressionante muitos inimigos. Devido à sua recente popularidade, foi quase unanimemente eleito para o consulado em 88 a.C.. Porém, a política doméstica provou-se difícil de administrar e um descontentamento de facções levou à erupção de um violento tumulto. A situação ficou tão perigosa que Sula foi forçado a buscar refúgio na casa de Mário, ainda que este estivesse auxiliando a oposição ao antigo subordinado.

Enquanto isso, uma ameaça vinha se desenvolvendo rapidamente no leste. O rei Mitridates do Ponto invadira a província romana da Ásia e orquestrara o massacre de 80.000 romanos e italianos. Isso requeria uma ação rápida e Sula, como Cônsul eleito, recebeu o altamente cobiçado comando, o que enraiveceu Mário, que também o desejava. Quando Sula partiu de Roma para preparar seu exército, em 88 a.C., Mário manipulou a aprovação de uma legislação que substituiu Sula por ele próprio como chefe da expedição. Mário rapidamente despachou subordinados para facilitar a transferência de poder, mas eles foram apedrejados até a morte pelas tropas de Sula. A facção pró-Mário respondeu de forma igualmente violenta, executando apoiadores de Sula em Roma.

Sula recusou-se a entregar seu ambicionado comando e decidiu consolidar sua posição em Roma. Ele inverteu o rumo de suas tropas e tornou-se o primeiro general romano a liderar um exército hostil através do pomerium (limite sagrado em torno de Roma) e tomar a cidade. Mário não esperava uma ação tão inesperada e sem precedentes e só conseguiu coordenar uma defesa limitada e insuficiente. Ele fugiu da cidade e Sula o proclamou inimigo público, assim como outros onze apoiadores. Isso significava uma sentença de morte, mas somente um dos inimigos públicos acabou capturado e morto, Sulpício. Ele foi traído por seu escravo que, por ordens de Sula, primeiro recebeu sua liberdade e depois foi atirado para a morte da Rocha Tarpeia pelo crime de trair seu senhor.

Uma vez satisfeito com a instalação de uma administração favorável, ele partiu em 87 a.C. para confrontar Mitridates, cujo controle e influência cresciam rapidamente através do leste, mas sem demora seus planos foram frustrados. O cônsul Lúcio Cornélio Cinna aliou-se a Mário, que retornou a Roma, e a vingança começou. Sula foi declarado inimigo público e muitos de seus amigos e aliados acabaram executados em expurgos conduzidos pelo governo pró-Mário. Eles até despacharam legiões recém-convocadas para vencer o exército de Mitridates. Sem se perturbar, Sula combateu com sucesso os generais do Ponto e eventualmente obteve um tratado de paz apressado e bastante leniente com Mitridates. Com o conflito resolvido, o exército comissionado por Cinna desertou em favor de Sula, que agora estava livre para acertar as contas com seus inimigos em Roma.

Seu mais implacável inimigo, Caio Mário, morrera em 86 a.C., possivelmente de pleurisia. Cinna foi assassinado por tropas amotinadas em 84 a.C. durante os preparativos para o embarque rumo à Grécia. A facção mariana não estava derrotada ainda, mas dependia cada vez mais de lideranças menos capazes.

Em 83 a.C., Sula marchou em direção a Roma no comando de um exército com o objetivo de assumir o controle da capital da República, eliminar potenciais ameaças e fazer valer sua vontade pela segunda vez. O que resultou foi outra guerra civil, que teve seu clímax (mas não terminou) às portas de Roma - no Portão da Colina - com a ajuda de dois recém-chegados, Cneu Pompeu e Marco Licínio Crasso. Após a vitória, alguns legionários derrotados receberam clemência, mas outros não foram tão afortunados. Sula massacrou milhares de soldados que já tinham se rendido. Em 82 a.C., Sula assumiu a ditadura pelo período que desejasse. A Constituição romana permitia a nomeação de um ditador em tempos de emergência suprema, mas com um prazo máximo de seis meses. O último ditador fora nomeado há 120 anos.

Sula usou seus poderes ilimitados para reformar unilateralmente a República segundo seu ideal de governo. Ele reduziu os poderes dos tribunos do povo, representantes eleitos cujo cargo era sacrossanto e permitia o veto a leis e a possibilidade de aprovar legislação diretamente na Assembleia Popular, passando por cima do Senado. O ditador determinou que todas as novas leis deveriam ser primeiro aprovadas pelo Senado, elevando de forma significativa a influência dos senadores e restringindo a influência política dos tribunos. Ele estabeleceu idades mínimas para ocupantes de cargos públicos e a ordem pela qual os principais postos deveriam ser ocupados ao longo do cursus honorum (a carreira política romana), além de lotar o Senado com seus apoiadores. Foram fixados preços máximos para muitos produtos e serviços e limites para as taxas de juros. Sula vendeu imunidade tributária para algumas cidades e, numa medida bastante impopular, aboliu a distribuição gratuita de grãos. Apesar de todos os seus esforços, muitas das reformas foram rapidamente repelidas, algumas das quais por seus antigos aliados, Pompeu e Crasso.

Caso sua ditadura se limitasse às reformas, talvez fosse lembrado de forma diferente, mas Sula instituiu as proscrições, que contribuíram para sua transformação num tirano sanguinário. A cada dia, uma lista de condenados era postada no fórum. Quem constasse nela tinha as propriedades confiscadas e aquele o matasse seria recompensado pelo estado. Uma vez que a tarefa estivesse concluída, Sula inspecionava pessoalmente as cabeças decapitadas, que serviam de decoração em sua casa e no fórum. Milhares foram incluídos nas listas de proscrição com ou sem justa causa. O jovem Júlio César foi proscrito apenas por se recusar a se divorciar de sua esposa, filha de Cinna. Crasso, um dos subordinados de Sula, colocou nomes na lista de proscrições simplesmente porque cobiçava suas propriedades. Vários nomes foram adicionados postumamente para justificar assassinatos não-autorizados. O expurgo durou por meses e levou às mortes de um número incerto de integrantes das classes mais elevadas de Roma, com estimativas que variam de 1.000 a 9.000 mortos. No entanto, sob o domínio de Sula, os falecidos também estavam em risco. Ele ordenou que o cadáver de sua nêmesis, Mário, fosse removido de sua cripta, arrastado através da cidade e feito em pedaços.

Em 81 a.C., quando se convenceu de que tinha criado um governo estável e erradicado todas as ameaças potenciais, Sula renunciou formalmente da ditadura. Porém, permaneceu no poder como cônsul em 80 a.C. e, ao término do seu mandato, retirou-se para uma aposentadoria parcial. Assim que colocou de lado a autoridade suprema, um homem bombardeou-o ostensivamente com insultos. O outrora violento ditador recebeu sem reagir a onda de abusos e apenas exclamou: "Este rufião vai garantir que ninguém nunca mais renuncie ao poder absoluto."

Certo dia, em 78 a.C., enquanto exigia em altos brados o estrangulamento de um funcionário corrupto, Sula teve uma hemorragia oral e morreu na manhã seguinte, provavelmente vítima do alcoolismo crônico. Seus restos mortais foram sepultados e seu túmulo exibia um epitáfio supostamente escrito pelo próprio Sula, e que dizia mais ou menos o seguinte: “Nenhum amigo jamais me serviu e nenhum inimigo jamais me prejudicou sem que eu não tivesse retribuído na mesma moeda”.

Sula defendeu com firmeza Roma, os interesses romanos e o status quo republicano na maior parte de sua carreira. Se apenas isso fosse o resumo do trabalho de sua vida, sem dúvida seria saudado como um heroico guardião da República. Porém, suas ações foram muito além disso. Ele alegava querer reparar o frágil governo republicano, mas implementou suas reformas através da força bruta. Violentamente, desnecessariamente e sem respeitar os limites constitucionais, tomou o controle do governo e desencadeou um reino de terror indiscriminado, uma lição para outros ambiciosos generais, incluindo Júlio César. Na verdade, muitos dos conflitos domésticos deste período poderiam ter sido facilmente evitados, mas Roma simplesmente não era grande o bastante para a competição entre os egos mesquinhos de Mário e Sula.

 

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