Ao contrário do que diz a Bíblia, os israelitas nunca foram escravos no Egito – pelo menos não o povo israelita inteiro.
Mas, se a fuga em massa do Egito não aconteceu, o que foi o Êxodo? O consenso entre os especialistas é que algum grupo de escravos cananeus (não necessariamente hebreus), ou vários grupos, fugiram durante a crise do império egípcio e escaparam para o abrigo entre os israelitas em Canaã.
Esses ex-escravos chegaram contando histórias mirabolantes de fuga. Talvez tenham falado sobre ter atravessado a alguma região onde sabiam que antes havia só água – nesse caso, a teoria da mudança climática justificaria o mito da abertura do Mar Vermelho.
Seja como for, as histórias de escravizados que escaparam do Egito rumo à liberdade em Canaã acabaram entrando para o folclore do povo israelense. Em algum momento, toda aquela população passou a acreditar que todos os seus antepassados tinham vindo do Egito. A fuga da escravidão se tornaria o mito fundador do povo judeu (termo que vem de “Judá”.
Richard Freedman, historiador da Universidade da Califórnia, e especialista em Velho Testamento, vai mais longe. Ele imagina que o grupo vindo do Egito teria um papel bem mais central que o de meros contadores de histórias mirabolantes. Eles se tornariam os principais autores da Bíblia.
Para entender a teoria dele, precisamos lembrar que os pastores israelenses não formavam exatamente uma nação, mas uma união de famílias estendidas. Cada uma dessas grandes famílias, com suas centenas de membros, formava uma tribo. Cada tribo era tida como descendente de um dos filhos de Jacó. Segundo a Bíblia, então, os israelenses do Egito já foram divididos nesses clãs. O consenso entre os historiadores, porém, é que o grupo criou uma história de uma ancestralidade comum para unir seus laços.
O número de tribos segue a lógica torta dos Três Mosqueteiros, que eram quatro. A tradição sempre fala em 12 tribos. Mas eram 13. E o Dartagnan das tribos israelenses, assim como acontece no livro de Alexandre Dumas, era justamente o mais importante, pelo menos do ponto de vista religioso: a tribo de Levi, a dos sacerdotes, que provavelmente escreveram a maior parte da Bíblia.
E temos o problema de que nenhum documento egípcio ou de outros povos do antigo Oriente Médio traz qualquer menção a José, ao faraó que o
“empregou” ou à fuga em massa dos israelitas. “Isso é um problema grave. O argumento de que os episódios não registravam derrotas é falso: a saída de um pequeno grupo nem era um revés, e eles relatavam derrotas, sim, mesmo quando diziam que tinha sido um empate”, afirma Airton José da Silva, professor de Testamento Antigo do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (SP). A menção mais antiga a Israel fora da Bíblia data mais ou menos do ano 1200 aC, vem – ironicamente – de um documento egípcio e fala de um povo já instalado em Canaã. Num monumento, o faraó Merneptah diz que “Israel está destruído, sua semente não existe mais” – nitidamente um exagero da parte do monarca egípcios, que dizia ter vencido Israel.
Embora a Bíblia diga que Moisés e seu povo passaram 40 anos vagando pelo deserto do Sinai, os arqueólogos não acharam nem sinal deles na área durante uma época – por volta de 1300 aC – em que o Êxodo teria ocorrido. O grande problema, porém, vem dos dados obtidos na própria terra de Canaã. Segundo Israel Finkelstein, arqueólogo da Universidade de Tel-Aviv, os assentamentos que têm origem nas cidades israelenses aparecem nas montanhas da Palestina em torno de 1200 aC São pequenas vilas rurais e pastoris que apresentam exatamente o mesmo tipo de material cultural – cerâmica , ferramentas, maneira de construir as casas etc. – presentes nas cidades costeiras de Canaã. Ora, a Bíblia diz que os habitantes dessas cidades, os cananeus, eram um povo inimigo e totalmente diferente dos israelitas.
Mas o que a arqueologia indica é que o próprio povo de Israel era uma dissidência dos cananeus – gente que teria se previsto em novas vilas nas montanhas por razões que ainda não foram totalmente esclarecidas.
Outras declarações de que a hipótese da origem cananéia é certa são lingüísticas: o hebraico, língua em que foi escrito o Antigo Testamento, é quase igual ao idioma dos povos vizinhos. Sem falar no próprio nome Israel: ele termina com o nome do deus cananeu El, enquanto os israelitas adoravam Javé, diz a Bíblia.
Ainda pareço, no entanto, algumas dúvidas. Por que diabos o povo de Israel inventaria uma origem escrava e estrangeira para si próprio? E como explicar a origem genuinamente egípcia do nome de Moisés? Para alguns especialistas, isso indica que um pequeno grupo de fugitivos do Egito se incorporou, de fato, ao grupo maior de cananeus que teve origem em Israel, de forma que sua história de libertação virou parte das narrativas sobre a fuga dos israelenses.
Os refugiados da atual Palestina costumavam ir para o Egito quando havia grandes secas, o que poderia ser uma inspiração para o Êxodo.
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