Os israelitas tiveram uma origem bem diferente da que está na Bíblia. Os do Livro Sagrado eram uma família quando vieram de Canaã, certo? No cativeiro, eles se multiplicaram, tornando uma nação de fato. Os da vida real, não.
Além de nunca terem migrado para o Egito, sua história não foi como uma família, mas como várias tribos nômades. Eles pastoreavam nas montanhas de Canaã, dormiam em tendas, e viviam de vender carne e leite para as cidades-estado do lugar. Os povos vizinhos se referiam a esses nômades às vezes como “shasu”, às vezes como “apiru” esse pode ter dada origem ao termo “hebreu” que mais tarde designaria o grupo étnico ao qual essas tribos pertenciam.
Por que dá para desejar que os 400 anos no Egito e a história do Êxodo sejam um mito? Primeiro, pela magnitude do evento. A Bíblia diz que 2 milhões de hebreus fugiram do Egito o equivalente a 3% da população mundial da época, estimado em 70 milhões de almas. Alguma coisa ao fato de os egípcios terem deixado sua história muito bem registrada. E não existe nada sobre essa eventual fuga. A única inscrição egípcia da Idade do Bronze que menciona a palavra “Israel” diz justamente que eles eram um povo de Canaã.
Com a seca, esses nós tinham um problema. Os pastores israelitas vendiam carne de seus cabritos e leite de suas cabras para as cidades cananeias, em troca de grãos. Mas ei: a produção agrícola não tinha ido para o espaço? Pois é.
“Agora as comunidades das terras baixas não tinham mais como suprir grãos, então eles tiveram de se assentar”, disse o arqueólogo Israel Finkelstein. A vida tinha dado um limão para os israelitas, mas eles produziram uma limonada. Deram um jeito de plantar suas hortas, levantaram casas, formaram suas primeiras vilas. E, quando a segurança acabou, estavam engajados para montar uma nação de verdade, com fronteiras, cidades, exército.
Só tem um detalhe. Esses primeiros israelitas não acreditaram em Deus. Não há Deus da Bíblia. Eles cultuavam as mesmas divindades dos seus vizinhos cananeus: Baal, Asherá e, acima de todos, El, o Altíssimo.
O próprio nome do grupo carregava, e ainda carrega, o nome de “El”. “Israel”, segundo especialistas em hebraico antigo, quer dizer algo como “Sob o comando de El”, o que faz sentido para um grupo de pastores nômades que ainda não tinha se solidificado como uma nação – e que não tinha um soberano.
El era o chefe do panteão cananeu, uma divisão privada. O Deus hebreu com “D” maiúsculo, que seria adotado mais tarde, é outra entidade: Javé. Só que Javé ainda não existia no mundo israelita. De onde ele viria, então?
Uma vez ali, como vimos aqui, eles assumiram o comando da religião. E transformaram os hebreus em seguidores de Javé – extirpando El e os outros deuses cananeus das religiosas israelenses. “Os hebreus puderam ter inventado que Javé era filho de El, ou algo assim. Mas não: por algum motivo, preferimos assumir que os dois eram a mesma entidade”, diz Friedman.
E assim ficou na Bíblia: deus é chamado alternadamente de “El” (ou Elohim, uma derivação) e de “Javé” no Livro Sagrado. Mas essa dupla personalidade divina acontece só até a primeira conversa de Deus com Moisés. O Senhor diz a ele que seu nome é Javé, e ponto final. E é assim que Deus segue sendo chamado no restante da Bíblia. Pela teoria de Friedman, essa linha do tempo do Livro Sagrado (escrita séculos mais tarde dos eventos que descrevemos aqui) reflete o fato de que os israelenses só passaram a conhecer Javé depois da chegada dos levitas.
Levitas que, mais tarde, fariam as leis que estão no Velho Testamento – e que vão bem mais longe do que os Dez Mandamentos. O código legal dos hebreus tem 613 leis.
No fundo, as levitas se tornaram os organizadores da nova nação, que daria origem aos reinos de Israel e Judá. Uma nação que começou pequena, pastoril, sempre espremida entre grandes potências. Com todos os ingredientes para se tornar irrelevante. Mas que pude contar histórias extraordinárias, e, com elas, criou o monoteísmo.
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