Quem escutava rádio na tarde de 25 de agosto de 1961 foi surpreendido, de repente, com um boletim fora de hora do Repórter Esso, principal noticiário do país à época.
Não era trivial, dada a importância do acontecimento: "o senhor Jânio Quadros acaba de renunciar à Presidência da República!".
Seu vice-presidente, João Goulart, de quem, aliás, era adversário político, só saberia da notícia no dia seguinte, em Cingapura, aonde chegara após uma longa viagem pela China.
Começaria ali um périplo de 12 dias até que João Goulart – ou Jango, como era chamado desde a infância – saísse do país asiático e fosse empossado presidente do Brasil. Nesse intervalo de duas semanas, enquanto o cargo máximo da República titubeava na capital do país, Jango girou parte do mundo esperando uma definição.
João Belchior Marques Goulart, conhecido também pelo apelido de Jango, foi presidente do Brasil entre os anos de 1961 e 1964, quando foi deposto pelo Golpe Militar de 1964. João Goulart nasceu na cidade gaúcha de São Borja, em 1º de março de 1919, e faleceu na cidade argentina de Mercedes, em 6 de dezembro de 1976.
"A relação de Jânio Quadros e João Goulart nunca foi das melhores, sobretudo pela divergência de posições ideológicas entre eles. No final de julho de 1961, essa relação era tensa, e Jango recebeu o convite do presidente de ingressar em uma viagem diplomática à República Popular da China.
João Goulart viajou até a China, e lá soube que uma crise sem precedentes se iniciava: Jânio Quadros havia renunciado e João Goulart deveria retornar imediatamente para o Brasil, pois assumiria a presidência do país. A sucessão de Jânio resultou em uma das crises mais intensas da política brasileira e iniciou a Campanha da Legalidade.
A crise se iniciou porque os ministros militares não aceitavam a posse de João Goulart como presidente. Pela Constituição de 1946, a posse era legal, uma vez que Quadros havia renunciado. Assim, uma luta política se iniciou entre aqueles que pretendiam impor um golpe e impedir a posse de Jango e os que queriam cumprir a lei e garantir a posse.
Os militares ameaçaram prender João Goulart caso ele retornasse ao Brasil. A resposta veio da sociedade civil e foi liderada por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango. O governador do Rio Grande do Sul colocou as forças militares de seu estado em defesa de João Goulart e iniciou uma campanha para convencer a população a apoiar Jango.
Brizola criou a Rádio da Legalidade e discursava durante horas em defesa da posse de Jango e da Constituição brasileira. Ele incentivou que a população se armasse e transformou o Palácio do Piratini em um búnquer. As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling afirmam que Brizola distribuiu armas aos funcionários do palácio, instalou metralhadoras em posições estratégicas, colocou sacos de areia na frente do Piratini, e andava portando uma metralhadora.|2|
O Brasil esteve próximo de iniciar uma guerra civil, pois os militares chegaram a autorizar o bombardeio do Palácio do Piratini, mas o ataque não aconteceu. O Congresso não aceitou impedir a posse de Jango, e logo Brizola passou a ter o apoio de Mauro Borges, governador de Goiás. Ele garantiu que escoltaria Jango até Brasília se fosse necessário e colocou Goiânia como cidade rebelada.
Além disso, houve grande mobilização da população pela posse de João Goulart. Isso acuou os militares, que perceberam que o político gaúcho somente seria impedido de assumir a presidência pelo poder das armas. Assim, uma solução foi encontrada: Jango foi obrigado a assumir a presidência em um sistema parlamentarista, que limitava os seus poderes."
Seu Governo
"Com o fim da crise de sucessão e o sucesso da Campanha da Legalidade, João Goulart assumiu a presidência no dia 7 de setembro de 1961. O seu governo pode ser dividido em duas fases:
Parlamentarista: de setembro de 1961 a janeiro de 1963;
Presidencialista: de janeiro de 1963 a abril de 1964.
Durante a fase parlamentarista, os poderes políticos do presidente foram diluídos e a figura mais importante no governo era o primeiro-ministro. Isso foi a forma encontrada para que os militares aprovassem a posse de Jango, mas também não durou muito. Um plebiscito realizado em 1963 determinou o retorno do presidencialismo no Brasil."
"O governo de Jango se deu em um momento de radicalização política no Brasil e de articulações contra a democracia. Grupos conservadores, como o grande empresariado, a UDN e a grande mídia, defendiam a possibilidade de um golpe militar em nosso país desde a década de 1950, e o próprio Exército se engajou em diversas demonstrações de golpismo.
João Goulart era um quadro progressista, e a sua presença na presidência do país incomodava grupos da elite daqui e de nações poderosas, como os Estados Unidos, que, no contexto da Guerra Fria, atuavam consistentemente para derrubar lideranças progressistas em todo o continente americano, sobretudo depois do exemplo cubano.
Assim, o governo de João Goulart tornou-se alvo da atenção do governo norte-americano, que passou a atuar para desestabilizar a posição do presidente. Essa atuação norte-americana encontrou apoio nos militares e na elite econômica do país, que, como mencionado, eram fortes opositores da política de Jango.
O presidente, por sua vez, engajou-se em um programa de reformas estruturais no país que ficou conhecido como Reformas de Base. Esse programa buscava resolver gargalos históricos de nosso país, como a questão da propriedade de terra. O principal debate das Reformas foi a reforma agrária, mas essa pauta não avançou e ainda rachou a base de apoio do presidente.
A desestabilização do governo de João Goulart seguiu sendo feita pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, o Ipes. Esse instituto reuniu militares e civis em uma conspiração contra o presidente. Além de enfraquecer o governo, o Ipes atuou intensamente para a organização de um golpe militar com o apoio norte-americano.
De crise em crise, a posição de João Goulart foi sendo desgastada e se ampliou quando ele radicalizou em defesa das Reformas de Base, em março de 1964. Um golpe militar se iniciou em 31 de março de 1964 e foi acompanhado por um golpe parlamentar, que derrubou o presidente em 2 de abril de 1964. Jango foi sucedido por Humberto Castello Branco, militar eleito por via indireta. Era o início da Ditadura Militar."
"Depois do golpe civil-militar, Jango fugiu do Brasil e exilou-se no Uruguai. Passou a dedicar-se aos trabalhos na fazenda que adquiriu no país vizinho. Enquanto isso, os militares iniciavam as primeiras perseguições em nosso país, dando uma amostra de todo o autoritarismo que se instalaria no Brasil por 21 anos.
Em 1966, ele ingressou na Frente Ampla, um movimento político de oposição criado por Carlos Lacerda, o jornalista udenista que apoiou o golpe e foi um ferrenho crítico de Jango durante a República de 1946. Carlos Lacerda se desiludiu com os militares depois que a eleição presidencial de 1965 fora cancelada.
Depois de exilar-se no Uruguai, Jango se mudou para Buenos Aires, na Argentina. Seu período de exílio coincidiu com a piora de sua saúde. O ex-presidente se tornou depressivo e passou a ter vários episódios com seu coração. João Goulart era um homem cardíaco e tinha um estilo de vida sedentário, o que agravava sua condição.
Em 6 de dezembro de 1976, ele faleceu vítima de um ataque cardíaco. Na época, não foi realizada uma autópsia do seu corpo, e isso deu espaço para uma série de especulações acerca da sua morte. Muitos passaram a defender que João Goulart teria sido envenenado por agentes da ditadura, mas inúmeras investigações feitas não conseguiram provar isso."
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