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domingo, 18 de fevereiro de 2024

O FESTIM DIVINO DE EL

 

“O festim divino de El” (tabuleta 19.CAT1.114) é um poema bastante curioso, porque, apesar da linguagem cujas fórmulas e epítetos remetem à épica e à poesia mais solene, retrata o venerável pai dos deuses numa situação, digamos, comprometedora (ainda mais se pensarmos na relação El-YHWH): El prepara um banquete (um churrasco, a bem dizer, cena comum da épica da região), se farta de carne (servida por Yarikh, deus da lua e aparentemente um bom churrasqueiro) e vinho e talvez sexo (ah, essas lacunas do texto), depois volta cambaleante para casa, escorado por divindades menores, desmaia e dorme sobre os próprios excrementos. Athtartu (Asherah) e Anat, uma deusa adolescente que aparece também no ciclo de Baal, então vão buscar uma cura para a sua ressaca, que envolve uma planta desconhecida chamada de pqq (lembrando que o ugarítico, como o hebraico, só marca as consoantes, então, ppq poderia ser paqaqa, paqaqe, paqeqe, etc, etc), que teria essas capacidades milagrosas. Infelizmente, apesar de termos ainda uma quantidade substancial de texto, a tabuleta está danificada e com lacunas, atiçando eternamente a nossa curiosidade sobre o que mais teria nesse poema, que já é por si só lacônico e parece deixar o melhor para a imaginação. Obviamente, eu o selecionei para postar aqui hoje não só por causa do clima generalizado de ressaca de fim de ano (apesar de que isso influenciou também, é claro), mas por este ser um desses raros poemas de escopo menor – se haveria uma tradição de poesia mítica cômica na região, desconhecemos – em que a representação dos deuses é muito próxima, desbragadamente próxima, do humano, e, por isso, dotada talvez de maior curiosidade e interesse imediato para nós do que as narrativas sobre grandes reis e suas linhagens.

 

O festim divino de El


El abate a caça em sua morada,

Mata as bestas em seu palácio,

Aponta aos deuses os cortes da carne

 

Os deuses comem e bebem

Bebem do vinho até que baste,

Da vindima até que fiquem bêbados.

 

Yarikh grelha o lombo como um [   ].

Agarra a sobrecoxa sob as mesas.

 

Para o deus que conhece,

Grelha um banquete para que se farte;

Para os deuses que desconhece,

Dá pauladas sob a mesa.

 

Ele se aproxima de Athtartu e Anat,

Athtartu lhe grelha um filé,

Anat assa uma costela.

 

O porteiro da morada de El o censura,

Que não grelhe filé para um cão,

Que não asse costela para um viralata.

Ele censura a El, seu pai, também.

 

El se senta…

El se assenta ao bacanal.

 

El bebe do vinho até que baste,

Da vindima até que fique bêbado.

 

El vai cambaleante até sua morada,

Tropeçando adentra seu pátio.

 

Thukamuna e Shunama o carregam,

Habayu então esbraveja com ele,

O dos dois chifres e um rabo.

 

Ele escorrega em seu esterco e urina,

El cai como um morto

El como os que descem à Terra.

 

Athtartu e Anat seguem para uma caçada

 

Athtartu e Anat…

E com elas trouxeram…

Como se sara quando se rejuvenesce.

 

Sobre seu cenho se deve pousar:

– pelos de cão

– a copa da planta pqq e sua haste

Misturar com o sumo de azeite virgem.

 

 

 

El’s divine feast

 

El slaughers game in his house,

Butchers beasts in his palace,

Bids gods to the cuts of beef.

 

The gods eat and drink,

Drink wine till sated,

Vintage till inebriated.

 

Yarikh grills the haunch like a [    ].

Grabs the hind-quarter beneath the tables.

 

As for the god whom he knows,

He grills fare for him to feast;

As for the god he does not know,

He strikes with sticks beneath the table.

 

He nears Athtartu and Anat,

Athtartu grills a steak for him,

Anat roasts a rack of ribs.

 

The porter of El’s house chides them,

Not to grill a steak for a dog,

Not to roast a rib for a cur.

He chides El, his father, too.

 

El sits…

El settles into his bacchanal.

 

El drinks wine till sated,

Vintage till inebriated.

 

El staggers into his house,

Stumbles in to his court.

 

Thukamuna and Shumana carry him.

Habayu then berates him,

He of two horns and a tail.

 

He slips into his dung and urine,

El collapses like one dead

El like those who descend to Earth.

 

Athtartu and Anat march off to hunt

 

Athtartu and Anat…

And with them they brought back…

As when one heals to return to youth.

 

On his brow one should put:

– hairs of a dog

– the top of a pqq-plant and its stem

Mix it with the juice of virgin oil.

 

(poema ugarítico anônimo, tradução de Adriano Scandolara sobre a tradução inglesa de Theodore J. Lewis)

 

A CIDADE DE UGARIT

 




Ugarit foi uma cidade portuária do Oriente Próximo localizada nos arredores de onde hoje se situa Ras Shamra, no norte da Síria, perto do monte Hérmon e da ilha de Chipre. Ela foi destruída por volta do final da Era do Bronze e, num dos grandes achados arqueológicos do século XX (ainda mais impressionante pelo fato de ter ocorrido por completo acidente), só veio a ser redescoberta em 1928. Situada numa posição excelente para o comércio, num ponto de encontro entre quase todos os povos da região, Ugarit floresceu cultural e financeiramente, tornando-se um dos grandes centros cosmopolitas do mundo antigo.

A cidade tinha o seu próprio idioma, o ugarítico, uma língua semítica cananeia, parente do fenício, do aramaico e do hebraico. Diferente dessas línguas, porém, o ugarítico não utilizava um sistema de escrita derivado do fenício. O hebraico, por exemplo, utilizava um abjad (esse tipo de alfabeto comum no Oriente Próximo e Médio que, diferente dos alfabetos completos, não marca as vogais ou as marca só com diacríticos) descendente do fenício, o chamado alfabeto paleo-hebraico, até cerca do século V a.C., quando foi substituído por um alfabeto diferente derivado do aramaico – só os samaritanos, porém, que são um outro povo semítico que disputa com os judeus o título de herdeiros da tradição israelita e que hoje são uma minoria, mantiveram o paleo-hebraico. Já o ugarítico desenvolveu o seu próprio sistema de escrita com base no cuneiforme. O cuneiforme, como se sabe, é o sistema que utiliza uma cunha para traçar os caracteres numa tabuleta de argila e que, até onde se tem registro, foi inventado e utilizado pelos sumérios desde pelo menos por volta do terceiro milênio antes de Cristo. Nos diz a assirióloga Marie-Louise Thomsen, em seu The Sumerian Language: an Introduction, que a escrita do sumério se desenvolveu não como uma forma de representação da fala, mas como um auxílio mnemônico, o que é um motivo pelo qual as tabuletas sumérias mais antigas são de uma extrema dificuldade para serem decifradas (não por acaso, os textos que formam corpus que a autora usa para tratar da gramática da língua datam de entre 2600 e 900 a.C.). Com o tempo, a escrita foi se tornando mais complexa e passou a representar, mais ou menos, frases inteiras, o que se tornou muito importante para a sobrevivência da língua por escrito do período neossumério (2200 a 2000 a.C.) em diante, em que ela deixou de ser falada na mesopotâmia, mas continuou a ser utilizada em textos de natureza burocrática, literária e religiosa.

A unidade do cuneiforme sumério era um grafema chamado de logograma: AN, por exemplo, era o símbolo para “deus”, “acima” ou “céu”. Combinado com A (“água”… mas também “sêmen”), forma a palavra “chuva” (na imagem ao lado), A.AN, transliterada “šeĝ” (“sheg”, mas a pronúncia exata é desconhecida e incognoscível). É bem complicado e não convém agora entrar nos pormenores, que envolvem ainda questões de homofonia e variações e tudo o mais, mas é interessante apontar que esse sistema foi repassado aos acádios, um povo semita como os ugaríticos (diferente dos sumérios, que não eram semitas e cuja língua é considerada uma língua isolada), e sua cultura e língua se desenvolveram lado a lado com a suméria – diz-se dos dois que linguisticamente formam um Sprachbund, de modo que é difícil dizer quais palavras e construções (incluindo a ordem das palavras na frase) do sumério são originalmente sumérias e quais são empréstimos do acádio, e vice-versa. Uma narrativa como o Épico de Gilgamesh, tal como o reconhecemos hoje, parte de fontes acádias, mas a mitologia em torno da figura de Gilgameš, rei de Uruk, tem origem numa tradição anterior de tabuletas sumérias.

Acontece, porém, que, por conta de questões fonológicas, essa forma de escrita não era bem adequada ao acádio (e isso talvez tenha pesado na hora de manter o sumério como língua burocrática, mesmo após o acádio se tornar a língua oficial das sucessões de impérios babilônicos). Os escribas de Ugarit, então, resolveram o problema desenvolvendo o seu próximo alfabeto: a escrita do ugarítico é cuneiforme, visto que também se faz com uma cunha sobre uma tabuleta de argila, mas, diferente da do sumério e do acádio, ela consiste num abjad com uma letra para cada consoante (com algumas duplicadas, como ocorre também com o hebraico). Esse sistema também foi utilizado para escrever textos em acádio, tal como atestam alguns documentos escavados em Ugarit.

Ugarit tinha ainda sua própria religião e mitologia, e a sua descoberta serviu para iluminar algumas questões importantes para os estudos bíblicos. A religião ugarítica, ainda que tenha alguns deuses menores, se concentra basicamente sobre o casal principal de divindades, El, pai dos deuses, e sua esposa Asherah, a Rainha dos Céus. O casal tem três filhos, Hadad (também chamado Baal, “Senhor”), Yamm e Mot. Hadad, deus das tempestades, governa sobre os céus, Yamm, sobre os mares, e Mot, sobre o mundo dos mortos, numa relação que parece muito próxima da espelhada pelos deuses gregos Zeus, Posêidon e Hades, respectivamente (já Crono, pai de Zeus, não seria um bom equivalente para El, e o paralelo meio que termina aí). El, que é o nome próprio da divindade, mas também um termo genérico para “deus”, provavelmente deriva de Ilu, termo acádio para “deus” que traduz o An ou Anu sumério, e o nome, como se sabe, é usado com frequência na Bíblia para se referir a YHWH, o deus dos israelitas, presente tanto em construções como “El Shaddai” (“Deus Poderoso”) quanto em palavras como “Israel” (“o que lutou com Deus”). De fato, nas últimas décadas, diversos autores, como Raphael Patai e Frank Moore Cross, têm traçado paralelos entre El e YHWH, e é muito provável que os dois fossem adorados como a mesma divindade na região, com frequência junto de Asherah, que, se a hipótese de Patai estiver correta, acabou eliminada da Bíblia e dos cultos após o Primeiro Templo ser derrubado e a elite religiosa israelita fechar o cerco contra o politeísmo. Há cartas em aramaico da região, datando de pelo menos 500 a.C., em que os autores usam certas expressões equivalentes a um “deus te abençoe” que indicam o culto a YHWH lado a lado com outros deuses, como Ptah, Khnum e Asherah (mais sobre isso no livro Ancient Aramaic and Hebrew Letters, editado por James M. Lindenberger & Kent Harold Richards). Há outros resquícios de referências a deuses pagãos ainda no hebraico que podem ser encontrados inclusive no texto biblico: Shamash/Utu era o deus acádio/sumério do sol, e “shemesh” (שמש) é “sol” em hebraico. Mot (m.t.), o deus do submundo, lembra “mawet” (מות), nome utilizado para personificação da morte no texto bíblico, ao passo que “met” (מת), sem o vav no meio (o caractere hebraico para o som de “v”, que é uma mater lectionis e também funciona para marcar as vogais “o” e “u”), significa “morto”. E assim por diante.

Muitos textos oficiais (a principal função da escrita, em sua origem, era provavelmente burocrática) e alguns literários foram recuperados em Ugarit. Os mais longos de que se tem notícia foram analisados e traduzidos no volume Ugaritic Narrative Poetry, organizado por Simon B. Parker (tradutores: Mark S. Smith, Simon B. Parker, Edward L. Greenstein, Theodore J. Lewis e David Marcus), que são os épicos Kirta, Aqhat e Baal. O volume, de que me vali para fazer este post, também acompanha 10 outros poemas mais curtos, dos quais um eu selecionei para traduzir para o português a partir da tradução inglesa de Theodore J. Lewis.

 

 

A RELIGIÃO DE UGARIT

 


A religião ugarítica foi formada por várias categorias de divindades, e cada divindade correspondia à forma como o universo e os espaços físicos eram vistos5 . Cada divindade corresponde a um reino cósmico e espacial do universo como interpretada pela população de Ugarit. Nessa estrutura, em termos de divindades, existe divisão entre divindades benéficas, que são representadas antropomorficamente, e divindades maléficas, que são representadas em formas monstruosas, como veremos a seguir, para exemplificar, dois textos de Ugarit. O primeiro descreve Tunannu, um inimigo cósmico, como uma serpente com sete cabeças:

KTU 1.3 III,40–42

Certamente eu a amarrei e a destruí (?)

Eu lutei com a serpente sinuosa,

uma potestade com sete cabeças.

Da mesma forma, o segundo texto descreve Mot relembrando Baal da luta em

que o deus da tempestade derrotou Leviatã em termos muito parecidos:

KTU 1.5 I 1–3

Você matou Litan, a Serpente Voadora,

Aniquilou a Serpente Sinuosa,

Uma potestade com sete cabeças.

Essa distinção entre caos e ordem, deidades benéficas e deidades destrutivas diferenciava, a partir da elite urbana de Ugarit, o centro (ou o lar) e a periferia. Assim, tudo que é urbano, cultivado e cultural, é diferenciado por oposição ao não cultivado, não cultural e periférico. Nessa concepção, o centro significa a ordem simbólica das

 

“Sobre a estrutura das divindades de Ugarit, ver: SMITH, Mark, S. O Memorial de Deus: História,

Memória e a Experiência do Divino no Antigo Israel. São Paulo: Paulus, 2006, p. 134-150.”

 

coisas e dos valores da sociedade. Em Ugarit, como já demonstrado em nossa pesquisa, foi centro cultural de produção de textos, da administração e do ritual.

No centro se encontra a casa, que expressa ao mesmo tempo à proteção familiar e os conflitos domésticos, e também se encontra a terra, patrimônio familiar. A periferia se apresenta como zona de transição entre o centro e as regiões distantes do cosmos, locais de difícil acesso para a experiência humana. Podemos também acrescentar em conjunto com o centro e a periferia, as regiões que vão além da periferia.

A distinção entre o centro e a periferia é expressa por termos agrários como semear

versus a estepe. Podemos verificar essa distinção em um texto ugarítico6 :

KTU 1.23,65–69  

Oh filhos! Ali produziu!

Fiz uma sagrada oferenda

no meio do deserto,

ali a permanência é curta

e existem dificuldades no meio de rochas e arbustos.

Por sete anos completos

oito ciclos de duração,

os graciosos deuses andaram sobre a estepe,

eles procuraram até as extremidades do deserto,

os dois encontraram–se com o guarda da semente

e os dois gritaram ao guarda da semente:

Oh guarda, Oh guarda, Abra!

E o próprio guarda abriu uma abertura para eles

E os dois entraram.

De acordo com esse texto, a semente contém alimento em abundância e vinho:

KTU 1.23,70–76

Se [ali existe para nós a]limento

dê–nos para que possamos comer!

Se ali [ para nós existe vinho]

dê–nos para que possamos beber!

E o guarda da semente respondeu para eles:

[existe comida para alguém que... (?)]

existe vinho para todos que entram... [...]

...ele próprio aproximou–se

ele serviu um pouco de seu vinho

e suas companhias[ saciaram–se] com vinho

O mapeamento das divisões do espaço cósmico e divino é feito pela separação

entre deidades e demônios. Deidades habitam lugares próximos do cultivo e das

pessoas, enquanto demônios ou monstros não. As deidades possuem lugar de culto e

 

“Ver: SMITH, Mark S. The Ritual Miths of the Feast of the Goodly Gods of KTU/CAT 1.23: Royal Constructions of Opposition, Intersection, Integration and Domination (Resources for Biblical Studies). Atlanta: Society of Biblical Literature, (nº 51), 2006.“

 

montanhas sagradas, e vários textos de Ugarit demonstram isso: El no Monte Ks, Baal no monte Safon ( KTU 1,100,9), Anat e Athtart no monte ’inbb (KTU 1.100,20), etc. Os inimigos cósmicos geralmente não possuem montanhas sagradas. As montanhas apontam para o nível celestial onde as divindades vivem. O deus Mot é uma exceção à regra, pois para chegar à montanha na qual a deidade mora, os mensageiros dos deuses precisam levantar a montanha para descer ao submundo e encontrar Mot.

No nível cósmico e vertical, as deidades benéficas habitam o céu, enquanto as

forças monstruosas e demoníacas habitam o submundo ou o oceano cósmico. Mais especificamente, os reinos são divididos pelas divindades Baal, Yam e Mot. Baal governa o céu, Yam o mar, e Mot o submundo.

Em contraste com o centro, a estepe é caracterizada como uma região de rochas e arbustos. A estepe se caracteriza como lugar de perigo e transição. É nessa região que vão surgir os inimigos de Baal, o deus da fertilidade, para confrontá–lo.

Entre as divindades benéficas de Ugarit, podemos identificar níveis de hierarquia entre os deuses. No topo, temos um deus que reina e sua rainha consorte.

Abaixo, temos as outras divindades que servem ou são subordinadas às divindades chefes do panteão. Segundo esse esquema, podemos separar os níveis do panteão ugarítico em:

A alta autoridade do panteão

Deuses de maiores destaques

Deuses artesãos

Deidades mensageiras

Essa ideia básica familiar inclui o patriarca e sua esposa, seus filhos e familiares, assim como trabalhadores e escravos. A linguagem monárquica encontrada nos relatos envolvendo as divindades de Ugarit claramente reflete a casa monárquica.

A mais alta posição é ocupada por El, que é pai dos deuses, que preside o panteão epromulga decretos. Quando analisamos a literatura ugarítica, percebemos que através de seus epítetos, El foi visto como o deus criador por excelência:

KTU 1.4 II, 11

 

“Ver a função burocrática dos deuses de Ugarit no estudo de: HANDY, Lowel K. Dissenting Deities or

Obedient Angels: Divine Hierarchies in Ugarit and the Bible. Biblical Research, 35, 1990, p 18-35. ”

 

Ela rogou ao touro El,

O deus da misericórdia,

Ela suplica ao criador das criaturas.

Outro exemplo se encontra em KTU 1.6 III, 5:

No sonho do benigno,

de El, o misericórdioso,

Na visão do criador das criaturas.

Percebemos nesses epítetos não só a característica de criador das criaturas em El, mas

também o caráter de “misericordioso”8 .

Como criador, El permanece como cabeça do panteão cananeu, e como pai dos

deuses:

KTU 1.123,1

(Salve), óh pai e o (resto dos) deuse[s]!

(E) salve, salve, ó E [l (...)]!

[S]alve, óh El, o príncipe!

Como seus filhos, os deuses são na coletividade chamados de filhos de El (KTU 5.I.13;

32.I,2,9,16,25,33). Além de Yam, Mot e Anat, Baal é chamado de filho de El:

KTU 1.3 V, 35–36

Suspirando, proferiu assim ao Touro El, seu pai:

El, o rei, que criou ele

Nesse texto, Anat está na presença de El requerendo a construção de um palácio para

Baal. Anat se refere à Baal como “filho de El”, aquele que o criou.

O próprio Baal exalta El como aquele que formou e criou os deuses:

KTU 1.10 III,6–7

Eis! Nosso criador é eterno,

Eis! Imutável é ele que nos formou!

Fica claro que El é lido na literatura ugarítica como pai dos deuses, misericordioso, imutável e criador das criaturas. Por esses motivos, os deuses o reverenciam como um deus ancião, pai dos anos9 e chefe conselheiro do panteão.

“Para um estudo sistematizado dos epítetos das divindades cananeias, ver: RAHMOUNI, Aicha. Divine Epithets in the Ugaritic Alphabetic Texts. Leiden/Boston: Brill, 2008.”

 

Com El no topo do panteão, aparece a sua esposa Athirat, a Asherah bíblica,

que é descrita como mãe dos deuses10 :

KTU 1.4 I,22

Preparem por favor! Um presente em reverência,

para a senhora Asherah do mar,

um presente de súplica para a progenitora dos deuses.

Os deuses foram chamados de “setenta filhos de Asherah” (KTU 1.4 VI, 46). Embora discute se entre os estudiosos se Asherah em Ugarit exerce poder parecido do seu esposo El, não há dúvidas que ela tem forte influência em decisões referentes ao reinado cósmico (KTU 1.4 IV), e na participação do processo de decisão na escolha de um sucessor real para Baal:

KTU 1.6 I, 43–55

Em voz alta gritou El,

para a grande dama Asherah do mar:

escuta, óh grande dama Asherah do mar!

Dê–me um dos seus filhos para fazer–lhe rei.

No segundo nível, no qual aparecem divindades de maiores destaques,

encontram–se deidades astrais que é atestado em KTU 1.43,2–311, mas em geral as

divindades com essas características não são muito especificadas. Uma possível exceção

para identificarmos uma família astral de El se encontra em KTU 1.10 I, 3–5:

O qual os filhos de El não conhecem (?)

A assembleia das estrelas

O círculo daqueles do céu

Em contexto diferente, podemos reforçar a opinião de que El possuía como filhos, divindades de caráter astral. Shahar (aurora) e shalim (crepúsculo) são dois filhos de El, de acordo com KTU 1.23,50–53. O deus–lua Yarih é identificado como o favorito de El em KTU 1.24.25. Em KTU 1.92,14–16 Athtart’s providencia carne para El e Yarih, e este presumivelmente deve ser um membro da casa celestial. O deus sol Shapsu aparece servindo mensageiros de El em KTU 1.6 VI. Outras divindades astrais

“PARDEE, Dennis. Ritual and Cult at Ugarit. (Edited by Theodore J. Lewis). Atlanta: Society of Biblical Literature, 2002, p. 69-70.”

de destaque são Athtar e Athtart (KTU 1.92,14–16) Resheph, que aparece em KTU

1.7812 .

Nesse segundo nível da família divina, Baal, Yam, Mot são deuses que competem pelo domínio cósmico e parecem exercer maiores influências na literatura ugarítica. Precisamos salientar que os mitos de Ugarit destacam o crescimento de Baal como deus vitorioso e obtendo o seu reinado, como descrito no Ciclo de Baal–Yam (KTU 1. 1–2) e Baal–Mot (KTU 1. 3–6)13. Nesses conflitos contra essas divindades que simbolizam o caos, Baal sai vitorioso e sua vitória é simbolizada pela construção de seu  templo e consequentemente, a sua ascensão sobre os outros membros do panteão14 .

A função do reinado cósmico de Yam nesses mitos não é certa. Mas ele aparece em KTU 1.2 III privilegiado com um palácio, símbolo da sua função como rei. Em KTU 2.1,17,33–34, ele é proclamado “senhor” por El. Esses textos demonstram que Yam foi visto em Ugarit como um poderoso monarca. Para obter o seu reinado, foi preciso Baal derrotar o seu rival, e assim tirar das mãos de Yam o reino cósmico:

KTU 1.2 IV 32

“Sem dúvida, Yam está morto,

Baal se transformou em rei...”

Nos textos ugaríticos, não temos a informação de como Yam se tornou rei. Mas temos nos textos indícios que esse reinado foi dado por El, pois ele é chamado de “amado de El” (KTU 1.1 IV, 20; 1.3 III, 38–39; 1.4 II, 34)15. Como personificação do mar, ( KTU 1.1,21,23) Yam foi visto como o maior adversário para o estabelecimento da ordem no cosmos. Com a vitória, Baal se transformou no mais poderoso deus e digno de reinar o reino cósmico. Mesmo com a legitimação de Yam por El nos textos ugaríticos, a vitória de Baal foi aprovada por El. A conquista do seu reinado derrotando Yam habilita Baal a possuir o Monte Safon, o qual é associado com essa divindade nos textos ugaríticos. Baal é chamado de “cavaleiro das nuvens”, devido talvez ao topo da montanha que fica coberto por nuvens.

 

“Para um estudo das divindades astrais em Ugarit, ver: SMITH, Mark S. The Origins Of Biblical

Monotheism: Israel Polytheistic Background and the Ugaritic Texts. New York/Oxford: Oxford

University Press, 2001, p. 61- 66.

13 Confira Del Olmo Lete, 1981, p.155-213.

14 Ver: JR. E. Theodore Mullen. The Assembly of Gods: The Divine Council in Canaanite and Early

Hebrew Literature. Michigan: Scholar Press, 1980, p. 46-84.

15 Confira Rahmouni, 2008, p.212-214.

16 Para um estudo mais aprofundado sobre a relação do Monte Safon e Baal ver a dissertação de mestrado

de: MENDONÇA, Elcio Valmiro Sales de. Monte Sião, Extremidade do Safon: Estudo da Influência

da Mitologia Cananeia na Teologia de Sião à Partir da Análise Exegética do Salmo 48. São Bernardo

do Campo: Umesp, 2012. ”

 

Outro adversário cósmico para Baal foi Mot, o deus da morte, que reinou o submundo (KTU 1.4, VIII, 1–24) e desejou aumentar o seu poder, e reino no lugar de

Baal:

KTU 1.4 VII, 47–52

Para que grite Mot em sua alma

se instrua o amado de El em seu interior:

você é o único que reinará sobre os deuses

e que verá saciados deuses e homens

e que saciará as multidões da terra.

O desejo de Mot é um conflito direto com Baal e tomar o poder das mãos do deus da tempestade e da fertilidade. O que Mot almeja é tirar a fertilidade da terra e provocar a escassez para reinar sobre o cosmos. O conflito é certo, pois segundo KTU 1.4, VII, 42–44 Baal proclama de sua montanha templo que nenhum rei se estabelecerá em seu domínio. No momento em que o reino de Baal está no seu ápice, Mot entra em cena para colocar perigo ao domínio da divindade fertilizadora. A luta dessas duas divindades pelo reino cósmico representa fertilidade e morte.

A progressão do mito envolvendo Baal e Mot é perceptivelmente coerente, pois depois de se livrar de Yam, o deus que representa as forças caóticas do mar, Baal terá que enfrentar o deus da morte, da infertilidade. Da mesma forma que Yam, os textos não explicam como Mot obteve o seu reinado. Mot é chamado de “amado de El”, e de “herói”: KTU 1.4 VII, 46–47

Eu certamente enviarei um mensageiro

para o filho de El, Mot,

uma mensagem para o amado de El, o herói.

Assim como Yam, Mot tem um relacionamento especial com El e foi nomeado rei pela divindade. Mot representa uma força primária no universo, ou seja, a morte.

Baal estendeu o seu domínio sobre as forças do mar caótico, agora deveria derrotar o deus da esterilidade e da morte. Somente assim o cosmos voltaria a ser seguro e fértil.

Baal desce ao submundo para enfrentar Mot e seu destino é contado a El pelos mensageiros do deus da fertilidade:

KTU 1.5 VI, 9–10

Baal está morto, o vitorioso

pereceu o príncipe, o senhor da terra

Após esse acontecimento, El lamenta a derrota de Baal e um rito pela morte do

deus tem início (KTU 1.5 VI, 11–25). O lamento de El revela um terrível efeito na natureza da terra. A morte triunfou sobre a fertilidade. Parece–nos que El mesmo com o posto de deus chefe do panteão, respeita os domínios cósmicos e não influencia nas lutas entre as divindades que governam cada região do cosmos.

Após o triunfo do deus da morte, Anat, a deusa guerreira nos textos ugaríticos, começa a buscar por Baal (KTU 1.5 VI, 26–31). Após sepultar Baal e oferecer ela própria um sacrifício pela morte do deus da tempestade no Monte Safon ao lado de Shapsu (KTU 1.6 I, 11–31), ela confirma à El a morte de Baal (KTU 1.6 I 32–43). El e Asherah escolhem Attar como substituto para Baal, mas Attar é incapaz da posição (KTU 1.6 I 53–65). A natureza e a ordem do cosmos estão em grande perigo, pois ninguém é capaz de governar no lugar de Baal.

No final do Ciclo de Baal–Mot, lemos que Anat, a companheira guerreira de Baal,agarra Mot e exige o retorno de seu irmão do submundo cósmico (KTU 1.6 II, 9–12). Mot se nega e reconta como derrotou o deus da tempestade (KTU 1.6 II, 13–23).

 Anat ataca–o e o mata: KTU 1.6 II, 30–35

Ela agarrou o filho de El, Mot

ela perfurou ele com uma espada

ela espalhou ele como uma peneira

ela queimou ele no fogo

ela triturou ele como pedras de moinho

ela semeou ele no campo

Mot foi totalmente destruído em um ritual de plantação para produzir a fertilidade. Anat frustra os planos de Mot de estender o seu reinado até os domínios de Baal. Com a derrota de Mot, Baal revive. El em uma visão descobre que Baal ressuscitou:

KTU 1.6 III, 20–21

Eis! Baal o vitorioso vive!

Certamente o príncipe,

o senhor da terra existe!

Baal revive e a ordem triunfa sobre as forças caóticas da morte. Anat que é narrada nesses textos com destaque, pertence ao grupo de divindades de maior importância em Ugarit. Ela é irmã de Baal e filha de El (KTU 1.3 V, 26–28). Seu relacionamento com Asherah parece sugerir que ela não seja de sua descendência. Demonstra extrema violência e autoridade diante do deus chefe dosdeuses, El (KTU 1.3 V, 19–25). Ela é descrita com poder enganador e furioso no panteão. Mas a chave para entender Anat é seu forte amor por seu irmão, Baal.

No terceiro nível cósmico vemos Kothar –Wa– Hasis como o deus artesão em Ugarit por excelência. Ele serve os dois graus da família divina e é solicitado por El para a construção de um palácio para Baal (KTU 1.1 III). Além do palácio, fabrica uma arma para Baal (KTU 1.2 IV). Kothar ocupa um lugar abaixo das grandes divindades do panteão, e como servo divino, desenvolve várias funções para as grandes deidades.

Kothar não serve apenas as divindades com sua mão–de–obra, mas também com seus

conselhos, palavras e sabedoria (KTU 1.4 VII).

Assim como as casas familiares em Ugarit, o panteão também tem os seus trabalhadores, servos e mensageiros divinos. Podemos identificar no último nível, deuses menores que servem a um grande deus guerreiro (KTU 1.5 V).

Portanto, seguindo a estrutura familiar divina de Smith18, com algumas variantes propostas para essa pesquisa, os níveis da família divina de acordo com suas hierarquias são:

Nível 1: O deus ancião El e sua esposa Asherah

Nível 2: Os filhos divinos: Athtart e Athtar (a noite e a estrela da manhã);

Shapsu (sol); Yarih (lua); Shahar (aurora); Shalim (crepúsculo);

Resheph (Marte?); Baal (deus da Tempestade); Yam (deus do mar);

Mot (deus da morte); Anat (deusa guerreira);

Nível 3: Kothar–Wa–Hasis (deus artesão)

Nível 4: trabalhadores divinos: mensageiros, porteiros, servos.

Algumas dessas divindades aparecem na Bíblia Hebraica, a qual passaremos a analisar.

 

 

 

 

VIDA NA ANTIGA UGARIT

 


A cultura ugarítica foi complexa. A cidade foi ao mesmo tempo, um porto comercial do mediterrâneo, uma cidade–estado do oeste semítico vassalo dos hititas e uma população do noroeste semítico do mundo de língua cuneiforme. Qualquer análise que fizermos, seja estudarmos nomes pessoais, linguagem, religião ou a cultura material, Ugarit vai aparecer como uma eclética mistura das culturas cananeias, sírias, egípcias, mediterrânea e mesopotâmica. Ugarit prosperou ao se tornar um lugar de encontro dos povos do Antigo Oriente Próximo (KTU 1.40 VII, 35–43).

A economia de Ugarit foi dominada pelo mar ao lado do comércio de importação e exportação. A cidade desenvolveu indústrias que foram formadas devido a sua localização em região marítima, assim como tintura de tecidos manufaturados e construções de navios. Também desenvolveu indústrias de artesanatos relacionados com o seu comércio de materiais bruto e utensílios de cobre. A fertilidade das regiões altas da cidade foram também exploradas para desenvolver o comércio de grãos e óleo.

No período do XV ao XIV séculos AEC um certo desequilíbrio e conflitos de interesses ocorreu entre os maiores poderes da região, ou seja, Egito, Hititas, Mitanni, Babilônia e Assíria. Devido a sua boa localização, Ugarit serviu como um Estado neutro entre essas grandes potências e seus interesses comerciais. O crescimento de Ugarit nessa conjuntura reflete uma experta manipulação da localização geográfica da cidade para obter vantagens econômicas.

O cabeça do Estado de Ugarit foi o rei, e ele era legitimado por divindades. O relacionamento especial que o rei tinha com os deuses, particularmente com El, é visto no Épico de Keret. O rei foi o principal representante na religião ugarítica, podendo fazer sacrifícios no templo (KTU 1.119). Ele também tem obrigações e responsabilidades em defender o pobre, a viúva, o órfão e os abatidos (KTU 1.17,6–8).

Membros da família do rei exercia controle nas instituições seculares e religiosas,

particularmente nos sumo sacerdotes.

A vida familiar em Ugarit foi patriarcal, no qual homens podiam ter mais de uma esposa. As esposas não tinham status iguais. A primeira esposa tinha o título de “grande mulher”. Da mesma forma, os filhos não tinham status igualitários, sendo chamados de servo, filho ou jovem guerreiro. Filhas eram classificadas como servas ou “irmã mais velha”. Essas designações refletem o estado social de livres ou escravos do

menino e da menina, herdado por herança. Os títulos “jovem guerreiro” e “irmã mais

velha” são títulos grandiosos para um filho ou filha.

Em Ugarit, da mesma forma que em Israel, foi possível conferir o direito de

primogenitura para uma jovem criança (KTU 1.15 III,16). Mulheres, especialmente da

família real, poderiam ser colocadas em posições de proeminência, como vemos nas

correspondências das rainhas de Ugarit (KTU 2.11; 2.12; 2.13; 2.16; 2.30).

 

HISTÓRIA DE UGARIT

 


Ugarit teve uma longa história. Os antigos assentamentos dos sítios datam do período neolítico (6500 AEC) e continuou até aproximadamente o fim da Idade do Bronze tardia quando se tornou um centro comercial próspero. Antes da descoberta do sítio na antiga Ugarit, estudiosos só conheciam seu significado e existência através dos arquivos de Amarna escavados no Egito e em Boghaskoy na Ásia Menor.

A fase mais importante da história de Ugarit começa aproximadamente em 1900 AEC. A Lista de Reis de Ugarit (KTU 1.113)4 e a literatura épica, fornecem informações sobre o crescimento nesse período de tribos de pastores semi – nômades na estepe mesopotâmica conhecidos como Amoritas, que se estabeleceram em Ugarit e iniciou uma nova fase em sua história. A fundação da dinastia real ugarítica até a sua destruição são traçadas dessa expansão amorita. A prosperidade de Ugarit nesse tempo foi comparada aos grandes reinos do Antigo Oriente. Primeiro o reino de Mari no primeiro milênio AEC, depois o Egito, e finalmente o reinado hitita.

Mari foi particularmente um importante sítio no médio Eufrates que prosperou sob os amoritas no segundo milênio AEC. Nesse período, Ugarit foi também um centro comercial para os faraós da XII e XIII dinastias. Diversas estátuas do reinado médio escavadas em Ugarit testificam a função da cidade como portão comercial egípcio para a Mesopotâmia e o império babilônico. Não há informações a respeito de uma presença militar egípcia em Ugarit nesse período.

Durante o período do reinado dos Hicsos no Egito (1674–1567 AEC) os hurritas ganharam o controle de Ugarit, e a cidade manteve abertas relações com o reinado de Mitanni no norte da Síria. Os reis hurritas romperam os vínculos com os egípcios enquanto buscavam aumentar o relacionamento com Ugarit e a Mesopotâmia.

Nesse tempo, a cidade de Ugarit sofreu um período de declínio. Iniciando-se com a XVIII dinastia durante o reinado tardio, o império egípcio se reafirmou no norte da Síria. A campanha militar egípcia estendeu–se até ao norte do Eufrates, e o relacionamento de Ugarit com o Egito foi restabelecido. No tempo de Amenófis II (1440 AEC) uma guarnição egípcia foi posta em Ugarit. Diversas cartas de Amarna foram escritas de Ugarit ao Egito (1350 AEC).

Ganhando com a prosperidade e estabilidade do reinado egípcio, Ugarit experimentou um momento de crescimento e prosperidade entre o XV ao XIV séculos AEC, e esses séculos representaram o auge e a idade de ouro da cidade. É nesse período que a literatura ugarítica começa a florescer. Os estudiosos afirmam que a literatura épica de Ugarit, a qual foi transmitida oralmente por séculos, foi escrita durante o reinado de Niqmaddu II (1350 AEC).

A lista de reis de ugarit abaixo mostra-nos uma tradição dinástica:

Ammistamru I – 1350 AEC

Niqmaddu II – 1350– 1315 AEC

Arhalbu– 1315 – 1313 AEC

Niqmepa– 1313 – 1260 AEC

Ammistamru II – 1260– 1235 AEC

Ibiranu– 1235 – 1225/20 AEC

Niqmaddu III – 1225/20– 1215 AEC

Ammurapi – 1215–1185 AEC

Em 1350 AEC, o rei de Hatti, Suppiluliuma conquistou o reino de Mitanni.

Nesse tempo, Ugarit se tornou vassalo do reinado hitita, pagando pesados tributos e consequentemente, teve a ajuda dos hititas para se desenvolver como centro comercial.

Suppiluliuma concedeu a Ugarit muitas cidades que estenderam as fronteiras do reinado ugarítico, possivelmente até o Leste do Rio Orontes.

Os soberanos hititas em Carquemish serviram como intermediários entre os monarcas superiores hititas e os governantes de Ugarit. Os comerciantes hititas tiveram privilégios especiais na cidade, incluindo isenção de taxas.

Soldados de Ugarit também lutaram ao lado dos hititas contra Ramsés II na batalha de Kadesh (1276 AEC). Ugarit controlou a situação de maneira a não afetar as relações amistosas que tinha com o Egito. Uma estela mostra que um escriba real egípcio foi nomeado para estar na corte real ugarítica. Ugarit aparentemente serviu como um “tampão” para diminuir as rivalidades entre a Mesopotâmia e o Egito durante esse período, e prosperou como porto neutro e canal do comércio internacional. Uma carta do rei de Tiro para o rei de Ugarit ilustra a prosperidade e riscos do florescente comércio marítimo desse período (KTU 2.38).

A destruição de Ugarit geralmente é atribuída aos povos do mar no XII século AEC. A civilização mercantil de Ugarit dificilmente ficou condizente aos violentos ataques dos povos do mar, porém a desintegração da economia e do palácio templo da cidade começaram antes das migrações dos povos do mar na região. O fim do período tardio da Idade do Bronze foi marcado por um processo geral de “ruralização” que minou a manutenção da economia urbana e acelerou o fim de Ugarit, assim como de outros reinos da Idade do Bronze tardia.

 

KTU é a sigla de: Keilalphabetischen Texte aus Ugarit em Alemão: Keil Alphabetischen Texte aus Ugarit (Textos Alfabéticos em cunha de Ugarit) in: LETE, Gregorio Del Olmo. Mitos y Leyendas de

Canaan Segun la Tradicion de Ugarit. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1981.